NOTÍVAGOS

Eram 3:30h quando fui despertado pelos estouros de rojões na vizinhança. São os “meninos” do tráfico avisando aos fregueses que a “mercadoria” chegou e que os “aviõezinhos” entregarão as “encomendas” conforme o combinado...

Pouco tempo depois ouvi o som das motos dos entregadores cumprindo a rotina, “tudo como d’antes no quartel de Abrantes”...

Já não havia sono bastante para adormecer rapidamente a quem estivera dormindo desde as 20:00h da noite anterior, mas não me levantei.

Através da vidraça da janela fiquei observando os astros na nesga de céu que me cabe.

De repente, revelado pela claridade mortiça da iluminação pública, um vulto atravessa meu campo de visão.

Uma coruja branca com a caça no bico pousa na umbrela do que sobrou da gigantesca antena parabólica instalada ao lado da caixa d’água na laje de teto do vizinho.

Oculto pela cortina da janela, fiquei observando os golpes que a ave dá no intuito de amaciar aquilo que vai comer, talvez para quebrar os ossos do que parecia ser um roedor, pequeno em relação à ave, mas grande o bastante para ser engolido inteiro.

Ave de rapina só despedaça a presa quando não há concorrentes por perto, mas apesar da distância entre nós, eu bem que poderia ser um deles.

Afinal ela não tem conhecimento de que eu não sei voar e mesmo com a máxima discrição de minha parte, sem gestos bruscos e total silêncio é claro que fui notado imediatamente quando cheguei à janela após o seu pouso.

As muitas batidas da presa contra o ferro da antena se repetiram até que, ainda com alguma dificuldade, a coruja pôde engolir a presa e em voo macio foi procurar a sobremesa ou descansar em seu refúgio antes do alvorecer.

4:30h no relógio da cabeceira. Meu pijama avisou, é muito cedo para se levantar.

Seguindo o conselho deste velho companheiro de noitadas, voltei para a cama para continuar o sono tranquilo dos justos, lamentando perder o palpite por não haver coruja no jogo do bicho...