DIÁRIO DE UMA PANDEMIA (Dia 5; Dia 6)

Dia 5

25 de março de 2026

Hoje acordei cedo.

Nem me dei ao luxo de tomar café.

Fui logo pro meu laboratório. Meu cantinho, meu pedaço de paraíso, onde posso desenvolver meus experimentos sem ninguém me enchendo o saco.

É um saco a gente querer fazer algo e ter um abelhudo atrapalhando, perguntando...

Essa é a vantagem de ser aposentado. A gente tem o tempo todo à nossa disposição e não tem que dar satisfação a ninguém sobre o que está fazendo.

Quando atendia ao público naquele pocilga, que todos chamam de laboratório do hospital, tinha que agir com cautela. Servidor público não tem muita autonomia… principalmente na área da saúde. O povo nem imagina como age essa máfia.

Lá eu tinha que fazer tudo dentro dos combinados… tudo de acordo com as orientações dos médicos. Caso contrário eles me matariam, pois se fizesse a análise correta o paciente ficaria curado…. E de quem eles iriam se aproveitar? Como poderiam continuar saqueando os cofres públicos? Sem contar os atestados que são emitidos sem necessidade. Tudo para que um falso enfermo falte ao trabalho…

Já parou pra pensar por que é que tem tanta gente doente e tão poucos curados? Eu sei a resposta e já ajudei a manter tudo desse jeito.

Mas não conto isso nem sob tortura.

Aliás, nem sei porque estou escrevendo isso em meu diário…

Pra dizer a verdade, nem sei pra que fui inventar este diário!

Dia 6

Que merda!

Além de todos meus testes falharem hoje me apareceu aquela velhota vendedora de biscoito. Ela sabe que nunca compro nada dela, mas insiste em me oferecer.

Além dela ser muito sem graça, tenho a impressão de que sua cozinha não tem muita higiene, não me arriscaria a comer nada que ela faz.

Não digo isso por maldade. Ela vive do seu trabalho honrado. Mas eu sei onde ela mora. Sei como é a frente de sua casa: quase um depósito de lixo. Parece que ela nunca faz limpeza… se a frente da casa é assim, imagine a cozinha!

Não posso dizer o mesmo da minha vizinha. A velhota foi embora mas minha vizinha continua cuidando do seu jardim, com aquele shortinho…

Viúva.

Vivo me perguntando: que desculpa posso arrumar pra começar uma conversa que vá além do bom dia, boa tarde, boa noite.

Viúva, sei que ela é, mas não sei se ela tem outros interesses além de cuidar de seu jardim. Um dia me encho de coragem e atravesso a rua.

Mas que merda, perdi toda a cultura que estava fazendo. Acabou a energia e o freezer não manteve a temperatura. Perdi uma semana de pesquisa.

Também, fui agir com a falsa confiança de um novato. Bem que meu orientador do doutorado recomendava prudência e sempre fazer tudo em duplicata em equipamentos diferentes.

Ele sempre dizia que da mesma forma que no computador, devemos fazer backup em nosso trabalho, principalmente na pesquisa. E a cópia de reserva, na biologia, é uma duplicata da cultura. Ela pode servir, também, como contraprova dos resultados.

Porra, mas que merda de companhia de energia.

O interessante é que ninguém é avisado de que faltará energia.

Ficamos horas sem esse produto e não recebemos nenhum desconto ou compensação pelos prejuízos.

É como digo sempre: este mundo é uma merda.

E merda também são aqueles que ajudam a mantê-lo.

Mas a fossa já está quase cheia e fossa cheia transborda. Então será merda pra todo lado.