CAFÉ PARIS, NITERÓI, ANOS 1920

GOLPE DE CAPOEIRA EM LILI LEITÃO?

Nelson Marzullo Tangerini

O escritor niteroiense Lyad de Almeida nos conta, em seu livro “Lili Leitão, o café Paris e a vida boêmia de Niterói & Niterói, poesia e saudade”, publicado pela Niterói Livros, Niterói, RJ, 1996, um fato muito curioso que aconteceu com Luiz Leitão:

O periódico “O Jornal promoveu”, certa vez, ”um concurso literário, de âmbito nacional, fixando apreciável prêmio em dinheiro para o melhor soneto humorístico classificado.

Lili Leitão foi um dos muitos concorrentes” (e eram mais de uma centena). O poeta fluminense “obteve o primeiro lugar com o soneto ‘Minhas dívidas’, embolsando, assim, o dinheiro estabelecido pelo periódico.

“Mas qual não foi a surpresa e desencanto ao receber uma carta do jornal, promotor do concurso, chamando-o à redação para as devidas explicações”, pois “um poeta de Capoeira, Minas Gerais, protestava contra o resultado, alegando ser” ele “o autor de ´Minhas dívidas’, publicado, em 1926, no livro “Vida apertada” e que ora publicamos:

“Devo a vida a meus pais; ao professor,

O meu preparo, que não vale nada;

Devo à loja, à pensão, devo ao doutor...

Tenho a vida de dívidas crivada.

Devo tudo: almofadas, cobertor,

Quarto, mobília, luz, roupa lavada...

Até meu terno, velho, já sem cor,

Estou devendo a um ‘gringo’ camarada.

Devo, não nego; estou devendo à beça!

Aos próprios santos, de quem não desdenho,

A cada um deles devo uma promessa.

E, apesar de viver endividado,

Para aumentar as dívidas que tenho

- eu vivo sempre a conversar ‘fiado’ “.

“Luiz Leitão”, prossegue Lyad, “tentou provar ser ele – e não o capoeirense – quem escreveu o soneto.

Indicou o local onde o produzira, o Café Paris, naturalmente”, e “apontou testemunhas”: os amigos da Roda . “Tudo inútil. O promotor do concurso não se deixou convencer. Lili “sentiu-se perdido, pois, além de ter que devolver o tutu da premiação, ainda passaria por desavergonhado plagiador.

Aflito, quis saber quais as provas reais que precisava apresentar para que sua palavra fosse aceita.

A resposta veio fria:” pediram “que escrevesse uma carta e”, assim, “seria dada uma solução ao caso” de provável plágio.

“Foi quando ocorreu em Lili Leitão” um “estalo”: “pediu de pronto, lápis e papel (linguado) e, perante o redator de O Jornal, escreveu, sem retoques", o seguinte soneto:

“CARTA

Prezadíssimo Júlio, amigo meu,

Nessa cartinha que ora lhe remeto,

Desejava saber se apareceu

Mais algum dono para o meu soneto.

Que triste sorte esta que Deus me deu....

Mas, também, eu lhe juro, eu lhe prometo:

- Se algum dia encontrar esse outro eu

Que me quis embromar, o troço é preto!

Esse tal Vitorino, de Capoeira,

Que pretendeu passar-me a uma rasteira,

Não passa de um grandíssimo ladrão!

Enfim, vou deixar tudo ao seu cuidado.

Sem mais assunto, adeus, muito obrigado.

Rio, dez de novembro, Luiz Leitão”.

Lyad, conta, ainda, que o “parisiense” Kleber de Sá Carvalho, presente naquela reunião, deu seu testemunho a favor do amigo: “O argumento foi irrecusável e” o poeta de Niterói “deixou a redação”, de O Jornal, ganhando “mais alguns amigos e admiradores, que nunca mais o abandonariam”.

Não sabemos quem é Vitorino, o malandro da história, e nem onde fica a tal cidade mineira de Capoeira. Chamá-lo de capoeirista seria uma ofensa aos que praticam esta arte que faz parte da resistência africana no Brasil.

Em tempo: lamentamos que a Editora Niterói Livros tenha desarrumado alguns sonetos do poeta “parisiense” em questão, transformando-os em meros poemas em estilo modernista.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 24/03/2022
Reeditado em 24/03/2022
Código do texto: T7479495
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