NAS LÁGRIMAS DIVINAS
Então Deus se exauriu de ver a devastação que sua criação fez. Olhava os estragos na natureza, nos bichos, nas gentes, e chorava. Olhava pra desumanidade geral e chorava. Olhava pras crianças de pé descalço e barriga oca e chorava. Olhava pra violência reinando impune e chorava. Olhava pra corrupção desenfreada e chorava. Deus nunca chorou tanto e até pensou em mandar um dilúvio pra acabar com tudo de novo. Mas sua misericórdia divina freava esse instinto mundano. Apesar do papel grotesco que sua criação cumpria, dizimá-la numa varrida generalizada, não e não. Então uma das lágrimas de Deus escorreu e se misturou ao chão já puído dos homens e se fez na forma do mal. Um mal atroz, calado, invisível, traiçoeiro. Esse mal se armou até os dentes, encheu o peito de garra e foi pro mundo fazer valer uma devastação nunca antes untada. Deus não tinha se dado conta do que aquela lágrima solitária e furtiva seria capaz de fazer. Quando percebeu, pegou suas melhores forças pra corrigir o estrago feito. Se desesperou até a alma vendo tantas crias perecendo pelos quatro cantos do planeta, se esvaindo com o ar dos pulmões rareando, sofrendo com o pior dos sofrimentos. Apesar de tudo, não mereciam um fim assim. Deus então foi, pouco a pouco, apagando dos tempos aquela matança aloprada. E assim tudo voltou ao que era antes.