" Gato por lebre"
“Gato por lebre”
Não me lembro o ano, mas eu tinha por volta de onze primaveras. Havia chegado em São Paulo a pouco tempo para encontrar minha família. Minhas irmãs, irmão, e o padrasto, novo companheiro de minha mãe. Mineiro trabalhador que tinha como profissão – ser motorista de carreta e trabalhava para uma grande construtora de rodovias.
Nossa casa feita de madeira com três cômodos apenas; cozinha e dois quartos, localizada a beira da estrada. Bem ao lado do acampamento dos trabalhadores. Havia também um campinho de futebol de terra em cima de um morro. Lá nos divertíamos! Nós, os filhos dos peões que construíam a estrada.
Quando a bola rolava pirambeira abaixo, ia além do asfalto, caindo num matagal a beira da estrada, e nesta hora sorteávamos um dos colegas para resgatá-la. Tarefa difícil, porque éramos obrigados, para atravessá-la, enfrentar o perigo dos carros e caminhões, que passavam em alta velocidade. E sempre havia uma exclamação. “Desta vez conseguimos!", era um sentimento coletivo, e a bola voltava a rolar de novo.
Havia homens de todas as partes do Brasil; nordestinos, mineiros, capixabas, e muitos outros.
Tratavam-nos com muito respeito. Eram nossos amigos e nossos pais na ausência dos verdadeiros. Fiz mais amizade com um deles, o Japonês – mecânico das máquinas empregadas na empreitada. Ele era muito simpático, mas um pouco maluco. Gostava de caçar. Nas suas horas vagas saía pela mata que rodeava a estrada, e sempre trazia algum animal silvestre para o almoço. Ele bebia muito!
Certa vez, convidou-me para almoçar. No dia, ele e alguns colegas saboreava um almoço, feito por ele. Dizia-se que era ótimo cozinheiro!
Arroz, feijão, legumes e uma deliciosa carne. Sentia-me entre amigos, e importante, porque o anfitrião era meu amigo, e do meu padrasto, além de ter me convidado pessoalmente.
A carne estava deliciosa, era de cor avermelhada e um pouco dura, o que me chamou a atenção. E, então tive a infeliz ideia de perguntar: que carne é essa? O japonês apenas riu, e não respondeu! Fez um pouco de suspense, e então perguntei de novo, e aí para o meu desespero ele disse: É de Bugio.
E emendou: Não sabe o que é um Bugio, respondi que não – é um macaco garoto!
O estomago virou, sai correndo e nunca mais fui ao alojamento do Japonês. Passei a evitá-lo, e tempos depois o trecho da estrada foi concluído, e as casas e o acampamento foram desmontados, e cada um seguiu seu caminho.
Hoje, quando passo por lá, só vejo o matagal em volta da estrada, e lembranças de uma infância incomum, mas muito divertida.