UM MAR EM MIM

Chove lá fora. Vejo relâmpagos caírem em algum canto remoto, enquanto as ondas se agigantam e se chocam contra as pedras abaixo do farol. Por vezes, receio que elas serão grandes suficientes para inundar toda a superfície e me arrastar para dentro do mar.

Lembro-me, da tarde ensolarada de alguns meses, em que passei esbanjando minha liberdade entre os grãos de areia molhada e ondas que desembocavam em uma praia não muito longe daqui. Especialmente, relembro uma oportunidade em que, ao me deparar com uma onda maior do que eu, mergulhei por baixo dela.

Em segundos, lubridio-me em lembranças e na sensação incrível de paz ali embaixo, enquanto a onda quebrava sob minha cabeça e lançava água em todas as direções. Ali, nada me afetava: nem a força das ondas; nem a gravidade. Nada. Mantive-me naquela lembrança até que minhas necessidades fisiológicas impuseram o retorno a superfície para buscar ar.

Flutuar deve ser parecido com estar embaixo da água. Como eu queria poder flutuar. Seria bom olhar para as coisas ao meu redor de cima, com a mesma sutileza da água tocando minha pele submersa, e conseguir compreendê-las como se não fossem minhas as razões que me envolvem. Ou, então, sentir-me novamente no ventre materno, contudo, ainda sim, poder andar por este mundo, sem medo de mim e sem medo dos outros.

Queria o paradoxal: viajar como uma pena solda e a segurança de uma pedra fixa no alto de uma montanha; uma vida sem predadores e presas, mas que, ainda assim seja, vida.

No meu caminho, cada esquina é quina, cortante. É perigoso virar à esquerda ou à direita. Seguir em frente, então? Como, se estou num trajeto sem saída?

Uma nova onda quebra e faz respingar em mim. Sinto a gota salgada da imensidão que reivindica minha atenção: “olhe aqui, veja-me! Sou furioso!”. Eu te vejo, mar; te sinto, em mim. A diferença é que, em mim, as ondas quebram do lado de dentro, enquanto aparento a paz da submersão em meu semblante.