ÔXE,CADÊ O VENDEDOR DE LIVROS?!
ÔXE,CADÊ O VENDEDOR DE LIVROS?!
Antigamente , de preferência pela manhã,eles batiam nas portas.
Eram vendedores de livros , mas,eu os considerava vendedores de sonhos.
Vinham em hora matinal,não só para fugir do sol forte;mas,principalmente,para não perder o gás,pois,as reuniões com os supervisores eram cedinho e feitas especialmente para estimular e entusiasmar os vendedores para a dura missão que lhes esperava.
Bater de porta em porta para vender um produto que quase ninguém queria. Livros! Ora , livros , diziam as donas de casa.Se ainda fosse vassouras ou desinfetantes..-Mas,madame,de certa maneira eles são.Varrem preconceitos,juntam sabedoria e desinfetam as idéias,além de criar outras,é claro,às vezes ,perigosas.
Podem servir , também,como calço para móveis capengas e para enfeitar a estante.Pega bem,com as visitas!
O certo é que eles chegavam, de terno e gravata, todo pimpão,proseando,deitando sabedoria,oferecendo seu produto,com sua capa em brochura,a coleção de enciclopédia,o pai dos burros –excelente para as crianças na escola,madame! –livros de culinária, coleção de Jorge Amado, Monteiro Lobato e Érico Veríssimo,os favoritos,livros de arte,Historia,Atlas, a Bíblia Sagrada,colorida,em papel couché.
A família esperava o vendedor, sempre simpático,que havia marcado hora. –Venha à tardinha, cá estará o chefe da casa,sem ele não resolvo nada.
O chefe da casa, preocupado,a mulher quer o livro de cozinha,os garotos precisam da Enciclopédia (lembrem-se,São Google ainda estava no calcanhar da avó),ele mesmo,de um dicionário,não fosse passar vergonha diante dos filhos,como no conto do Artur Azevedo.Mas,quanto custaria tudo isso?
Essa farra literária, me levará quanto??
Ele chegava pontualmente às 17hs, carregado de pacotes e cartazes para apresentar as obras,tratava a todos pelo nome,como velhos amigos.
-Bom dia, dona Lolota,como vai essa força?E o seu Antonio,está bem?Sua mãe melhorou da coluna?
Olha quem chegou me fazendo festas!- Pára, Rex, espera ai que te faço festinhas.
Ah, uma limonada vem a calhar,mas,se depois tiver um cafezinho...
Gostou daquele livro de receitas?Isso, Helena Sangirardi é ótima,é o que mais vendo...
E,abrindo a sacola mágica:
-Veja esse, para a Carlotinha que vai casar.É um livro de conselhos,”Basta o Amor”? – ela vai gostar.
Sossegue, chefe,dividimos em 12 módicas prestações mensais.E,eu mesmo venho receber,não se aflija,marque o dia e pronto.
Bons tempos esses, em que as famílias eram estruturadas,os pais eram importantes referenciais,o saber era cultivado,ter um livro importante em casa era sinal de cultura e certeza de respeito pela comunidade,era norma ser educado,gentil,correto nos seus compromissos.
Tínhamos consciência que éramos felizes e gostávamos disso.
Agora, nesses tempos modernos,a família se desintegrou,a cultura transformou-se,a música virou agressão,o livro virou virtual,e-books,e-readers,pode-se ler 500.000 no kindle, numa leitura rápida,de consumo,leitura para citar e aparecer nas “rodinhas”,aquelas aonde se dá importância a isso.
A minha geração de sessentões nunca abandonará o livro.
Falando sério, um livro na mão,numa rede à tardinha,sabedoria pensada e sorvida como a água de coco ao lado,a beleza da capa,a leitura da orelha,o prefácio,percorrer os capítulos,sentir o cheiro do livro,novo ou velho...
Ai, que saudades do vendedor de livros!