Minha terra nossas gentes(.Oh , mãe África, ainda choro por ti!)

Ó minha terra, Moçâmedes ao sul de Angola , chão d´um rico e produtivo oásis que nos alimentava, tão quanto riquíssimo em minérios de ferro, pedras semi preciosas enterradas nas areias quentes a poucos metros de nossas casas num deserto sem fim de picadas, capim elefante , espinheiras , rios , riachos e mulolas no meio de silêncios e vida que só em África se sente: um universo de lembranças inigualáveis. A completar tanta grandeza só nos faltavam os elefantes, e nada mais. Até rinocerontes caminhavam por aquelas terras.

O mundo do barulho de geradores de luz, das geleiras electrolux a petróleo, do lampião Petromax e do zum-zum das grandes aranhas verdes do deserto . Foram estas enormes aranhas verdes que atemorizaram meu imaginário de criança nas muitas noites com cabeça escondida debaixo do travesseiro no Caraculo, mais precisamente na fazenda Montemor do Avô Torres e como se delas assim pudesse escapar. Havia dezenas por ali, e eu acreditava que fossem terríveis, venenosas , de picada mortal. Não me recordo se alguém me disse o contrário mas foi essa imagem que guardei na minha memória. Mas precisava superar esse medo tanto quanto os amigos que estavam comigo e inventávamos coisas.... Coisas de crianças corajosas, provavelmente! Pretendíamos ser! Um dia pegamos cabos de vassouras e lá fomos até ao ninho decididos a caçá-las e assim vencê-las Conseguimos, mas... para onde levá-las ? Decidimos que para o quintal da casa da fazenda, pois seria lá a se ficar de olho nelas .Decisão sem sentido, mas a verdade é que lá foram parar e pelas nossas mãos mas por pouco tempo, claro; logo foram retiradas por ordens do sabalo calulo , o fiel companheiro do soba Torres, mentor de seu filho e parceiro de seu neto Vitó a quem também tudo ensinou tal como a seu Avô e seu Pai sobre aquela terra linda na zona da hapa-hapa, serra da lua cheia. Sabalo foi um orgulho para a família e para a nossa gente.Nascido no ano de 1900 , curiosamente no dia de aniversário da cidade foi um dos nossos, fez parte da história da nossa terra. Conhecia o deserto como suas próprias mãos, e foi o primeiro negro a tirar carta de condução no Distrito de Moçâmedes.

Anos 60...Tempos maravilhosos, significado de verdadeiro sentido de liberdade.

Éramos ricos de tudo ,e na verdadeira acepção da palavra( chão rico, mar farto e gente boa ), mas extremamente condicionados aos interesses da Metrópole. Muito limitados em várias coisas como por exemplo no ramo de vestuário e calçados que , para se proteger a fabricação das empresas da metrópole à obrigação de adquirir esses produtos , nos sujeitavam aos restos das estações do hemisfério Norte , portanto, sem acompanhar o período sazonal.Era uma festa para nós quando conseguíamos ter coisa mais atual, mais moderninha.

Exportávamos matérias primas em bruto e importavam-se produtos manufaturados. Entre as melhores exportações estava o nosso café o 4º produtor mundial, tão quanto de diamantes e de minérios de ferro.Quem não ouviu falar nos espertalhões japoneses que , ao importar nosso minério se beneficiavam de pepitas de ouro que por lá misturadas lhes arregalavam os olhos?

Pela localização estratégica a nossa cidade era um alvo de interesses para o governo português com o porto de mar, sem dúvida a melhor porta do Atlântico para a África Central e algumas regiões da África do Sul. Um lugar de destaque, tinha a nossa cidade!

Entre esses produtos de interesse para a economia portuguesa estava a farinha de peixe o produto de Angola que mais conseguia fugir à fiscalização das Finanças do Governo Português transacionada na Bolsa de Valores , a exemplo das nossas maravilhosas azeitonas que, apesar da maioria da produção ficar em território nacional havia um restante considerável a ser exportado enlatado .

Não se falava em sonegação de impostos , mas apenas se defendia direitos de quem respeitava ideais de independência para um país que não aceitava mais permanecer como colônia subjugada e de cabeça vergada , injusta e indevidamente contido em seus direitos de sociedade independente! Era o que nós, lá nascidos, e todos os que amavam aquele chão queríamos para o nosso futuro.

O amor por aquela terra NOS FEZ ACREDITAR QUE ASSIM SERIA: uma Angola para todos sem qualquer tipo de discriminação étnica, religiosa ou política.

Mas não foi assim, infelizmente !

Lana

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 21/03/2022
Reeditado em 21/03/2022
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