O GÉRMEN DA POESIA
O GÉRMEN DA POESIA
Nelson Marzullo Tangerini
Folheando a revista “Ilustração Fluminense", Niterói, RJ, fevereiro de 1923, eis que encontro, entre suas páginas, o belo soneto “O germem da poesia”, de Brasil dos Reis. Cantando, alheio, e sem temer a máquina de triturar sonetistas, lançada no mercado pelos modernistas, nos anos 1920, o ousado e talentoso poeta dedica este trabalho singular ao amigo “parisiense” Renê Medeiros. O galã da Roda Literária do Café Paris, foi um poeta da segunda geração parnasiana, corrente que, teimosamente, prosseguiu acreditando na temática parnasiana anos a fio, embora Medeiros, muitas vezes tenha se aproximado do simbolismo.
Vamos, enfim, ao soneto de Brasil dos Reis, escrito a 9.2.1923:
“O GÉRMEN DA POESIA
Ao poeta René Descartes de Medeiros
Quando Orfeu deu à lira as cordas gemedoras,
E encantou, sublime, ao mundo, o primo verso,
Acordou o desvão das florestas sonoras,
E um novo sol radiou dos plainos do Universo.
Enfim, sem mais temer as feras rugidoras,
Ao sono se entregou, e em pós no sono imerso,
Viu em sonho a visão das musas protetoras,
E acordou já senhor do estro apurado e terso.
Dez mil anos talvez já vão dessa epopeia!
Mas no mundo ficou esse eflúvio sagrado:
O veículo real para a expansão da ideia!
E o poeta, hoje, da lira a dedilhar as cordas,
Canta, sonhando, alheio, e sem temer, ousado,
Da negra fera humana as rugidoras hordas! “
No soneto acima, percebemos a forte influência parnasiana, estilo de época iniciado, no Brasil, pela tríade Alberto de Oliveira – Olavo Bilac – Raimundo Correia: com seus sonetos decassílabos ou alexandrinos, metrificação e rimas perfeitas e o culto à mitologias grega e latina.
Respeitadíssimo na Roda Literária do legendário Café, Benedito Angrense Brasil dos Reis Vargas, como veremos adiante, tinha o costume de fazer versos para os amigos, estivessem eles vivos ou mortos.
Fora da esfera da amizade, o fluminense Brasil dos Reis escreveu, também, incontáveis sonetos, todos magistrais, como este, que hora publicamos e que nos faz lembrar dos versos de Augusto dos Anjos, poeta Pré-Modernista, que dedicou-se a nos mostrar o destino final de todo ser humano.
Aqui vai seu soneto “Lamento de um verme”:
“Por que destino cruel vegeto eternamente
No pântano, no pau, no lodaçal, no esterco?!
Que estrela má me atira, às tontas, brutalmente,
Em meio aos pedregais do abismo a que me acerco?!
Mas... que mal fiz a Deus, para que viva ausente
De sua bênção de luz, metido neste cerco
Da tortura e de dor e de mágoa e descrente,
Só vislumbrando o horror da lama em que me perco.
No entanto, se é mister que eu me conforme, seja!
Serei eternamente o evadido da sorte,
Sem achar quem jamais meu destino proteja!
E afinal, namorando a minha estrela no alto,
Bem pouco se me dá que assim me empolgue a morte,
Afogado a estorcer-me entre a lama do asfalto!”
O sempre atencioso, tranquilo e sereno poeta, cronista e historiador Brasil dos Reis foi muitas vezes classificado, por estudiosos e literatos, como um romântico tardio. Membro das Academias Niteroiense e Campista de Letras, tem recebido, da Prefeitura de Angra dos Reis, RJ, belas e merecidas homenagens post mortem.