Como ser cristão, de verdade!
Sou da Macedônia, nascido em uma pequena cidade chamada Doberus, cujo nome já foi muitas vezes confundido com Derbe, esta a centenas de quilômetros e situada na Licaônia, um distrito da Ásia Menor, ao noroeste da Cicília.
Ainda jovem, mudei-me para a cidade de Corinto, a maior e mais importante cidade da Grécia, localizada no istmo que liga as regiões de Cencréia e Acaia, ambas no Mar Mediterrâneo. Em Corinto, uma cidade cosmopolita, havia dois portos marítimos importantes, Cencreia, no golfo Sarônico a leste, e Lecaião, uns dois km a oeste, no golfo de Corinto, que centralizavam o enorme fluxo comercial responsável pelo abastecimento do mundo romano. Na verdade, Corinto era o último porto marítimo importante da Ásia, de onde partiam as embarcações maiores para o abastecimento de Roma, a capital do Império, já no continente europeu, e cuja influência alcançava até o território das Astúrias, na Espanha.
Foi ali, em Corinto, que eu conheci Jesus e a mensagem do Evangelho através de um judeu que também possuía a cidadania romana e que, pelo período de quase dois anos anunciou a mensagem de Jesus aos coríntios iniciando as atividades da Igreja Cristã na cidade.
Em Corinto, também tive o privilégio de ser batizado pelo próprio apóstolo Paulo. Ainda me lembro daquele dia em que toda a família de Estéfanas, Crispo e eu, Gaio, fomos batizados, dando testemunho público da nossa Fé em Jesus.
Desde então, uma pergunta ocupa a minha mente e o meu coração com muita frequência e trata da seguinte questão:
"Se é mesmo verdadeira a afirmativa de que a aceitação e o compromisso com os ensinos do Evangelho de Jesus transformam o indivíduo, COMO isto acontece? COMO essa transformação é percebida pelas pessoas em geral?"
Durante os quase dois anos de permanência do apóstolo em nossa cidade, fui ensinado e encorajado a viver neste mundo, como Jesus viveu. Aprendi que Deus é Luz, portanto, não pode o novo cristão abrigar no seu interior qualquer coisa que, de alguma maneira seja reconhecida como trevas ou escuridão.
E, convenhamos, cada um de nós conhece o próprio interior e os próprios dilemas de consciência, que são os grandes responsáveis por escravizar o indivíduo à escuridão ou conduzi-lo à liberdade, se houver um mínimo de transparência, uma exigência responsável da honestidade intelectual.
A vida cristã é um constante e crescente aprendizado para se atingir a Maturidade no conhecimento e na experiência com os valores do Reino de Deus.
Durante a minha vivência cristã, ainda que estivesse cercado da forte influência de pessoas dentro da comunidade eclesial, cuja preocupação maior era o inusitado ou, o sobrenatural, sempre me perguntei se o compromisso com o Jesus do Evangelho exigia que fosse assim, dessa forma.
Eu estava distante de Roma, mas com o burburinho do intenso comércio cosmopolita da cidade, aqui e ali eu ouvia relatos de cristãos que eram perseguidos e mortos nos circos romanos como uma espécie de divertimento sádico para uns, e para outros uma espécie de sacrifício ou oferenda ao Deus dos cristãos, como demonstração de fé.
Em muitas localidades, os cristãos precisavam se esconder ou fugir das perseguições. O problema é que na sua fuga, eles não tinham para onde ir; não tinham onde se hospedar, e dependiam da boa vontade de outros cristãos que viviam vida tranquila, mas que nem sempre eram tão hospitaleiros.
Em nossa comunidade surgiu um movimento de aparente piedade que envolveu a muitos que se afirmavam cristãos, a que denominavam Ação Poderosa do Espírito Santo de Deus. Nas reuniões públicas já estava se tornando comum assistir a espetáculos de pessoas falando uma linguagem estranha, desconexa e repetitiva , sem qualquer efeito prático para a vida da comunidade que não estava sendo edificada com este procedimento, pelo contrário, afugentava a todos que, por alguma razão se aproximavam da igreja.
Havia também aqueles que se apresentavam como profetas ou, arautos de Deus proferindo mensagens que, na minha opinião, eram mais distúrbios emocionais e catarse emocional do que, como deveria ser, ensino racional da Palavra de Jesus.
A licenciosidade moral de alguns e a completa ausência do amor que caracteriza o cristão comprometido com o Evangelho estavam transformando a nossa comunidade num circo pandêmico de vários absurdos, tidos como espirituais.
Diante disso, decidi que a essência do Evangelho, ou seja, a prática do Amor pelas pessoas, deveria ser parte integrante da minha fé e este amor incluía a minha disposição de, simplesmente, ser instrumento da bênção e do amor de Deus atendendo aos cristãos nas suas necessidades e praticando a hospitalidade como um dom espiritual no uso das posses materiais que o Senhor havia colocado em minhas mãos para ser um bom administrador dos recursos que, eu sei disso, pertenciam a Ele e não a mim.
Ao escrever a sua primeira carta endereçada à nossa comunidade eclesial que se reunia em Corinto, o apóstolo Paulo foi bastante claro ao afirmar que:
*"Há diferentes dons, mas o Espírito é o mesmo. Há diferentes tipos de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo em todos."*
Prosseguindo em suas considerações, o apóstolo apresentou de forma racional e bem ordenada, os pensamentos em torno do projeto da implantação de uma determinada igreja, em qualquer localidade. Ele disse na sua carta que, para se alcançar este objetivo, em primeiro lugar surgem os "apóstolos" que são os que primeiro chegam ao local para anunciar o Evangelho. Depois destes, surgem os "profetas" que são os ensinadores dos novos crentes que precisam ser ensinados a respeito de Jesus. Em seguida, surgem no contexto da própria comunidade os "mestres" que são os aconselhadores da comunidade, e que o fazem com fundamentação na Palavra da Verdade. De fato, estes são os que apascentam a comunidade, como pastores que cuidam do seu rebanho conduzindo-os à Maturidade Cristã.
Finalmente, na esteira dessa dinâmica, surgem os cristãos amadurecidos que foram ensinados a exercer o dom distribuído pelo Espírito Santo à Igreja, dentre eles, entre tantos outros, aqueles que "têm o dom de prestar ajuda a outrem". A lista de ações abençoadoras realizadas pelos que recebem o ensino da Palavra é enorme, e está longe de ser explorada na sua totalidade, pois, os dons concedidos por Deus "sempre serão tantos, quantas forem as necessidades da comunidade eclesial". E aqui não se pode falar de "competição", uma vez que Deus não faria da Sua Igreja um campo para embates discordantes, mas sim, um local definido pela "justa cooperação de cada parte", para o perfeito funcionamento do Corpo que é uma metáfora para a comunhão orgânica da Igreja.
Bem, ao longo da minha experiência com Jesus e com o estudo sistemático e intencional das Escrituras disponíveis, dentre elas o Antigo Testamento, os Evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas, além de algumas das cartas do apóstolo Paulo que foram endereçadas a algumas igrejas da região como a carta aos Colossenses aos Tessalonicenses, aos Filipenses, aos Efésios e duas cartas endereçadas especificamente para a nossa igreja em Corinto, cheguei à conclusão de que o relacionamento com Jesus após o Encontro com Ele não está apoiado em nada absolutamente sobrenatural metafísico ou trancendental.
O Cristianismo não é uma "religião de mistérios", assim como a FÉ, que viria a ser desprezada e criticada nos tempos modernos e pós-modernos como fundamento da espiritualidade inteligente, embora não necessariamente racionalista, não pode ser desprezada.
O Cristianismo é simples, inteligente, racional, envolvente, e por isso mesmo não pode ser confundido com a religiosidade codificada em manuais de comportamentos ascéticos, moralistas, impositivos ou mesmo científicos. Tampouco trata-se de uma ideologia, pois a Ideologia reduz-se a conceitos, hábitos e à forma de pensar de determinada classe dominante.
E isso é tudo o que o Cristianismo NÃO é, uma vez que foi gerado a partir de uma manjedoura no contexto de algumas minorias, oprimido pelo "status eclesiástico" da religião sacerdotal dos judeus e, a partir da cruz, florescido debaixo da perseguição da classe dominante.
Na minha compreensão, no meu entendimento, sem os artifícios da religiosidade farisaica e sem a influência da falsamente chamada ciência esotérica que reclamava para si as manifestações sobrenaturais, neste complexo meandro de interpretações fantasiosas, decidi ser a "hospitalidade", para mim, o instrumento através do qual eu haveria de apresentar Jesus às pessoas.
Por esta razão, fiquei muito feliz quando João, o apóstolo de Jesus, filho de Zebedeu escreveu para mim a sua cartinha amorosa, afirmando:
"Amado Gaio, não tenho maior alegria do que esta, a de ouvir que meus filhos estão andando na verdade. Você é fiel no que está fazendo pelos irmãos apesar de lhe serem desconhecidos. Eles falaram à igreja a respeito deste seu amor. É nosso dever receber com hospitalidade irmãos como esses, para que nos tornemos cooperadores em favor da verdade. Amado, não imite o que é mau, mas sim o que é bom. Aquele que faz o bem é de Deus; aquele que faz o mal não viu a Deus."
Ouso encerrar aqui este meu depoimento reafirmando o que já escrevi um pouco acima.
O Evangelho de Jesus NÃO é uma religião de mistérios!
O Evangelho de Jesus NÃO se fundamenta no ocultismo onde pessoas possam esconder ou ocultar as suas inclinações perversas, más, pecaminosas, falsas e mentirosas. Muitos que se dizem cristãos são apenas dissimuladores que tentam disfarçar com religiosidade superficial o conteúdo perverso de um coração ainda não transformado pelo Amor de Jesus.
O Evangelho transforma, de dentro para fora, todo aquele que deseja andar na verdade reproduzindo os frutos da justiça de Deus e distribuindo o Amor divino aos seus semelhantes.
Que Deus ilumine o seu coração para conhecer e viver, em cada dia, a verdade do Evangelho firmado na pessoa de Jesus!
Deus te abençoe!
Pr. Oniel Prado
Último dia do Verão de 2022
20/03/2022
Brasília, DF