Convite para o café da manhã
Olhei em volta da cozinha visivelmente desarrumada, com tamboretes espalhados aqui e ali, sacos plásticos e almofadas sobre eles jogados com displicência. Percebi que o microondas estava aberto, sabe lá desde quando!, e lá dentro se encontravam duas barras de chocolate ao leite, um potinho de creme de avelã, dois dentes de alho, metade de uma cebola e uma tábua de carne já bastante usada, além de desleixada e suja. Inúmeros vidrinhos de suplementos alimentares diversos jaziam toscamente sobre a bancada da pia; ao lado, de qualquer jeito, sem nenhum critério, uma caixinha de chá de erva-doce, meio pacote de sequilho-rosa, uma caixa de fósforos, saco plástico rasgado, metade de um rolo de papel-toalha e um vidrinho quase cheio de pólen apícula. Mas não era só, a bagunça destacava castanhas de caju transbordando no grosso e grande vidro chamativo, dois copos de vidro embaçados, um deles com marca de batom muito vermelho detergente, coco seco furado, álcool em gel num frasco, espátula, rolo de macarrão, um liquidificador pincelado de marcas da idade, um furador de coco e uma colherinha de chá manchada.
Eu até nem queria olhar o restante em derredor, mas não me contive, incapaz de segurar o estupor. Sobre o varal a toalha de rosto havia muito não era lavada, e o pano de prato ao lado chorava sujeira. Avistei a escada encostada na parede, cujos degraus davam conta de parecer em perigoso estado de ferrugem, panos de chão atirados sobre a máquina de lavar roupa, nem sei quantos, todos em deplorável letargia causada pelo grude de muitas águas sujas, baldes lambuzados sabe-se lá de quê, a sacola entupida de sacos trazidos de supermercados se aprumava meio enviesada no cano de plástico saindo da parede, por seu turno a pá enlameada e a vassoura coberta de pelos e cabelos, descansavam encostadas num pequeno armário onde uma caixa de ferramentas velhas se via abandonada ao léu.
E o fogão? Ah o fogão! Sujeira de cima abaixo, bocas enferrujadas, acendedores envolvidos em brumas, resquícios de leite, feijão, caldo de frango, borra de café, tanta coisa impossível de saber! Da mesma forma ou pior as paredes do seu entorno, tomadas pelas manchas de diversos aniversários e onde calendários de anos idos permaneciam como enfeites molambentos. O chaveiro desde há muito se tornara viveiro de formigas e teias de aranha, as poucas chaves colocadas lembravam dentes podres na boca de monstros; se tentasse pegar alguma talvez se desfizesse em pó negro. Melhor não. Só de sobre elas alçar os olhos me vem um enjôo indizível, imagine toca-las.
Quem teria deixado as coisas daquele jeito? Por que a cozinha lembrava cenário de pós-guerra? Que mãos desleixadas causaram aquilo, algo tão deprimente? Calado entrei, sem dizer nada saí. Afinal de contas eu estava na casa do vizinho, que me convidara para tomar o café da manhã com a família dele. Esboçando um sorriso amarelo no rosto, constrangido, declinei do convite. Com uma cozinha daquelas? Nunca!