A SIGNIFICÂNCIA DAS COISAS INSIGNIFICANTES

O que há de importante nas coisas triviais, como receber um telefonema de uma pessoa que gostamos, saborear um bom prato de comida, descansar à sombra de uma árvore ou contemplar o brilho desvanecente de um pôr-do-sol? Nosso cotidiano é tão cheio de coisas pequenas, algumas quase imperceptíveis e que por elas passamos como se aparentassem nenhuma significância. O poeta Fernando Namora dizia que fora de nós há o mundo e nele há tudo que em nós não cabe. Em seus versos afirma: "fazer das coisas fracas um poema/... Homem, até o barro tem poesia! /Olha as coisas com humildade". E pensar que buscamos a raridade das coisas grandiosas, enquanto distraídos nos descartamos da fartura corriqueira do usual que de tão comum se banalizam no conjunto ordinário daquilo que chamamos de cotidiano.

O que governa a nossa vida? Para Emmet Fox é aquilo a que nós damos atenção. Mas damos atenção a tantas coisas, diriam alguns. Porém não damos, nem podemos, dar atenção a tudo. As coisas são relevantes ou insignificantes muitas vezes pelo valor que damos a elas. Há aqueles que buscam o brilho indiferente das estrelas, e por isso desprezam ou sequer notam o valor das coisas pequenas. Ou como certa vez afirmou o escritor Georges Bernanos, "as pequenas coisas parecem insignificantes, mas dão-nos a paz".

Ah! os seres humanos e sua inesgotável e incansável fome de ser feliz e de sempre querer mais. Alguém já nos referiu como formigas ególatras que vivem em um pontinho do sistema solar que é um pontinho da galáxia que, por sua vez, é um pontinho do universo. Sonhamos com a amplitude infinita dos espaços, desviando de ver que a importância da vida não está em significar e buscar as extremidades, mas sim em significar o valor das proximidades. Muitas são as vezes, diuturnas vezes, em que desimportamos as miudezas das nossas adjacências, talvez porque já estejam lá, ou talvez até porque já as possuímos e com elas convivemos. Desconhecemos a sabedoria contida nas palavras de Santo Agostinho ao dizer que a "felicidade é continuar a desejar aquilo que temos", e projetamo-nos ansiosos e ávidos para imensidões além de nossas habituais periferias. Parece que é sempre lá, e nunca aqui, que encontraremos a saciez tranquila de nossas inquietações. Longe é um lugar que não existe - escreveu Richard Bach.

Será que é somente no futuro que iremos tomar consciência de nossa felicidade passada? Ou será que só nos imaginamos felizes no depois? A felicidade há de ser apenas um outrora ou um futuramente? Há de estarmos como no poema Revelação, de Rui Espinheira Filho (Ai que somos felizes agora/mas não tanto/ como amanhã, no passado")? Por que não dar a devida atenção ao que nos satisfaz e nos faz sentirmos felizes no atualmente? Por que deixar passar nas entrelinhas do dia a dia o contentamento que amanhã destacarei em me dizer que "era feliz e não sabia"? O hoje, meus amigos, é impregnado de prazeres diminutos e minguados que distinguidos são então revelados.

Saborear as pequenas coisas - eis a lição que nos deixou Epicuro, filósofo grego do período helênico (século IV a.C.). Surpreender-se com o banal e o corriqueiro, ou como diz o poeta Ferreira Gullar preocupar-se mais quanto tempo dura seu gato do que quanto tempo dura uma estrela. Retirar espanto e maravilhamento ao se indagar pelo sentido das coisas, como nos versos de "Perplexidade" de Gullar:

"a parte mais efêmera de mim

é esta consciência de que existo

e todo o existir consiste nisto

é estranho!

e mais estranho

ainda

me é sabê-lo

e saber

que esta consciência dura menos

que um fio de meu cabelo

e mais estranho ainda

que sabê-lo

é que

enquanto dura me é dado

o infinito universo constelado

de quatrilhões e quatrilhões de estrelas

sendo que umas poucas delas

posso vê-las

fulgindo no presente do passado".

"A vida é muito para ser insignificante", já dizia Charles Chaplin. Quanto mais tempo tivermos para viver este o é tempo de se viver. Simplifiquemos, pois, o viver, o existir, o durar passageiro da nossa breve permanência. Se certo está Comte-Sponville - para quem o que chamamos de felicidade é alegria, tranquilidade e contentamento - então, sejamos alegres, tranquilos e contentes - e isto está na simplicidade com que somos simples e lidamos com os acontecimentos simples da vida. Observemos, assim, mais a paisagem que nos cerca, convivendo melhor com o dia que nos inicia o dia.

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 19/03/2022
Reeditado em 19/03/2022
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