RUMO AOS 70... ÁRDUA JORNADA !

RUMO AOS 70... ÁRDUA JORNADA !

"Inevitável perceber que quase tudo

contém o seu contrário e minha luz

reforça minha sombra. (...) Talvez seus

defeitos sejam tão importantes para

seu progresso como suas virtudes".

LEANDRO KARNAL (trecho) (*1)

Mais uma madrugada em que acordo de um sonho psicodélico, bastante estranho... e que se repetiu, agora de forma um pouco diferente. Interpretar sonhos é coisa para psiquiatra, psicólogo, terapeuta. Penso que a imagens são mera diversão do cérebro desocupado, prescindem de sentido. Porém, talvez eu encontre algum "José do Egito" para me esclarecer quais os significados -- ocultos, para mim -- entre os dois sonhos. O anterior, de meses atrás e o atual, tão semelhantes, menos no desfecho. Me vejo no topo de prédio imenso, todo de vidro fumê, beirando as nuvens, o horizonte abaixo de mim cinza, escuro, não se vê a rua nem carros. Equilibro-me como posso, tentando pegar 1 nota de 2 reais que está no ar, além do prédio, o pavor de cair me enrijecendo os músculos. A tal nota faz parte de um enigma que preciso decifrar.

Pois não é que o mesmo sonho me volta agora, um pouco diferente ?! Desta vez lancei-me no espaço e, flutuando, agarrei a tal nota, que parece ser de 5 reais. Meu irmão surge no alto do prédio e lhe lanço a cobiçada nota, que se divide em 3 outras... êle as recolhe e o sonho nos remete para um dormitório enorme, muitas camas de ferro, que nosso amigo falecido Nélson Guedes parece arrumar, se queixando de meu irmão para um outro GUEDES, o Sílvio, magnífico multiartista da cidade de Vigia de Nazaré; Sílvio ajeita outras camas... me aproximo de ambos e dou a cada 1 uma nota, de dois cruzeiros ou reais para um deles... a outra nota se transforma em moeda grande, de 1 cruzeiro ou real. Declaro ao todos que já decifrei o enigma, contudo meu irmão discorda. FIM DO SONHO !

Não vou "quebrar a cabeça" tentando interpretar esse "carnaval de imagens" de pouco sentido, além do fato de que os rapazes -- de cidades diferentes -- eram bastante parecidos, exceto na altura. Seriam PARENTES e nunca percebemos ?! As mães de ambos, que conheci, também eram quase iguais... seriam primas distantes ? Mistérios a desvendar !

Já chegando aos 70 anos, olho para trás... quantos perigos ultrapassamos, quantas vezes estivemos á beira da Morte. principalmente aqui na Amazônia, no interior. Durante a construção do casarão no sítio, os trabalhadores mataram 32 cobras, todas venenosas, bem perto da futura casa. Eu "passeava" por ali, de dia e de noite, "para ir ao banheiro", no matagal em frente ao barracão. Sem nenhuma noção dos perigos reais ocultos nas matas corremos riscos desnecessários diversas vezes. Nosso "anjo da guarda" teve muito trabalho naqueles dois anos e meio. Felizmente, aqui estamos... não fizemos fortuna nem sucesso profissional, vivemos cada dia da forma que nos foi possível, sobrevivendo de reciclagem e da ajuda desinteressada de tantos amigos e (des)conhecidos. Os poucos achaques e problemas de saúde são o "troco" pela forma descuidada como levamos a Vida todo esse tempo.

Plantei árvores, muitas delas, escrevi "livros" (5 ebooks, no RECANTO DAS LETRAS) e só não sei se tive filhos ou filhas... a essa altura da Vida espero que não, ter vivido quase meio século longe deles me seria (merecido ?) castigo. Só me resta agradecer o "pão nosso de cada dia" me garantido pelo tal BPC (benefício federal) -- providenciado por um sobrinho -- e torcer para iniciar vivo e bem cada novo dia. Nossas deficiências "nos empurram" para a frente mais do que qualquer qualidade... é a opinião do jornalista Leandro Karnal, com a qual concordo. Quase nada sabemos de quase tudo e só a EXPERIÊNCIA e a vivência nos permitirão vitórias em assuntos e situações que desconhecíamos.

-- "OBRIGADO, SENHOR por mais um dia... que eu faça por merecê-lo ! Vamos em frente" !

"NATO" AZEVEDO (em 17/março 2022, 3,30hs)

OBS: (*1) - trecho da crônica "O defeito que me empurra", in O LIBERAL de 9/jan. 2022, pag. 3, cad. Cultura, do jornalista LEANDRO KARNAL.

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ADENDO AO TEXTO - se o sertanejo de qualquer tipo ou região é um herói, certamente o caboclo que luta a vida inteira com/contra as águas é um HERÓI com letras maiúsculas. Nas poucas vezes que nos aventuramos a enfrentar os chamados "igarapés" -- rios de maré, que vazam totalmente a cada 5-6 horas -- em canoa improvisada, feita de tábuas de construção pesadas e impróprias, ficamos bem perto da Morte. Com nós dois, meu irmão e eu, mais um saco de laranjas, a borda da canoa ficava a 3 dedos da linha d'água. Qualquer descuido e a canoa virava... certa vez imensa sucuri passou a uns 3 passos de nosso barco, o corpo roliço com uns 4 palmos de largura entrando e saindo das águas.

De outra feita, fomos apanhar côco na beira de um igarapé... mal subiu o barranco, a bocarra de enorme cobra cascavel ameaçou morder meu irmão. A miserável tinha ninho ao pé do coqueiro, onde caçava pequenos roedores. Informado por nós, o caboclo fui lá armado somente de vareta de 1 metro (com forquilha na ponta) e um facão, aqui chamado de "terçado". Mesmo prevenida pelos passos do valente no capinzal grosso, a "fera" teve a cabeça decepada por um golpe só... êle fez cola com seus dentes, uns 5 cm cada, um espanto.

O caboclo respeita a maré, não rema contra nem segue rio abaixo no fim do ciclo, quando a velocidade da vazão chega aos 50, 60 km por hora e pode até virar uma canoa. De nada sabíamos quando chegamos ao interior do Pará (nem sequer remar) e decidimos desafiar a maré. Na ida para a parte central da cidade, distante uns 5 km, conseguimos aos trancos e barrancos mas, na volta, a favor da correnteza, o rio rugia feito onça acuada... encostamos a canoa num barranco de raízes enormes, segurando-se nelas com as mãos e tentando manter a canoa com os pés, enquanto a imensidão de águas marrons, arrastando tudo nas margens, se esforçava por nos levar e ao barco naquele caudal tenebroso. Realmente, a vida na Amazônia é pra MACHO, muito macho mesmo ! (NATOAZEVEDO)