TRÊS POETAS FLUMINENSES

TRÊS POETAS FLUMINENSES

Nelson Marzullo Tangerini

Debruço-me, volta e meia, sobre a revista literária “Ilustração Fluminense”, encontrada no acervo deixado pelo meu pai, o poeta Nestor Tangerini. Ela publicava sonetos ou crônicas dos rapazes do Café Paris. Mas, em suas páginas, também encontraremos trabalhos de outros poetas e cronistas da Cidade de Niterói e arredores. A Cidade Sorriso, como se sabe, era, na época, 1923, a Capital do Estado do Rio de Janeiro.

Republicamos, portanto, nesta crônica, dois sonetos, dos senhores Francisco Correa de Albuquerque e Álvaro Fontes, e trovas, do senhor Anísio Monteiro, publicadas na interessante e luxuosa revista.

Infelizmente, não temos informação alguma a respeito desses poetas, hoje esquecidos e excluídos da “seleta” literatura brasileira. Seria Albuquerque o Padre Francisco Correia de Albuquerque? Seria Anísio Monteiro um cidadão gonçalense? Há uma rua e um condomínio residencial em São Gonçalo, RJ, com seu nome. De Álvaro Fontes tampouco sabemos.

Comecemos, pois, por Albuquerque, com sua poesia composta de sinestesia, cores e musicalidade, à moda dos excêntricos simbolistas:

“NOTURNO

É noite já. E, como um crisântemo

Branco, aparece a lua lá nos céus.

Sinto na brisa um hálito supremo,

Tirado, creio, dos cabelos teus...

Canta no mar um pescador, e, a remo,

Conduz a barca, confiante em Deus.

Cintilam astros com uma luz que eu temo

Seja tirada destes olhos teus.

Passa no ar o favonio delirante,

Que entoa à rosa uma canção de amor,

Nas cordas de um lírio soluçante...

E eu penso em ti. Uma saudade louca

Brota em meu coração e sinto a dor

De não poder beijar a tua boca!"

De Álvaro Fontes, oscilando entre o Simbolismo e o Parnasianismo, temos:

“VIBRAÇÕES

Que orne de áurea luz tudo o que a vista alcança

e o pensamento gera e a alma inteira compreende!

Que cintile no espaço o áureo sol da bonança

e em flor se torne o mal que à descrença me prende!

Que seja tudo como o sorriso que expende

a mulher superior!... Seja todo esperança

o teu beijo sensual!... O beijo teu que esplende

quando vem de tua alma em rútila pujança!...

E eu, feliz de sentindo em lúbricos anseios,

possa, louco de amor, oscular os teus seios,

e, em austros de prazer, ver-te o corpo formoso!

Eis da vida a poesia! Aos teus olhos a exponho!...

vem, pois, sentir, sem pejo, as vibrações de um sonho,

na límpida torrente harmoniosa do gozo”.

Quanto ao conjunto de trovas do sr. Anísio Monteiro, que nos faz lembrar dos versos bucólicos de Fagundes Varela e da ingenuidade de Casimiro de Abreu, românticos fluminenses, temos:

“NA ROÇA

Vem o dia alvorecendo...

Há um murmúrio geral...

Vênus, da altura, tremendo,

Parece um lírio do val...

***

Canta a cigarra na selva

E um carro rincha na estrada;

Cobre a verdura da relva

Um véu de gaze prateada...

***

Vê-se a “flor da noite” aberta,

Cantam cigarras além;

Alegrando os viajantes

As aves cantam também.

***

Tudo vibra, tudo canta,

Desvenda tanta beleza

O hino que se levanta

No templo da natureza.

***

E o hino vai, sobe à altura,

Faz a gente tão feliz;

É bem um louvor à natureza,

Que o mundo todo bendiz!

***

Vai ao céu, sobe, ressoa

Pelo divino serralho;

É Deus, lá do alto, abençoa,

A luz, a paz, o trabalho!

***

Por isso eu sempre bendigo

A sorte do lavrador,

Plantando na terra o trigo

E enchendo a casa de flor...

***

Felizes, sois, lavradores,

Vendo o nascer do arrebol!

Fazendo brotar as flores

Da terra, ao calor do sol!”

Poesias de 1923! Um ano após, portanto, o estrondo louco do Movimento Modernista de 1922. Queremos apenas mostrar, com esses trabalhos, que a literatura fluminense seguiu em frente, sem se importar com a arrogância daqueles que diziam trazer uma nova arte, uma nova estética, uma nova poesia.

ooooo

Na foto, a antiga Estação de Barcas da Cantareira, em Niterói, RJ.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 16/03/2022
Código do texto: T7474314
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