"Numa estrada dessa vida"

Recostar-se na janela, ato tão amiúde quanto as visões: carros, motos, caminhões e afins. Eis as estradas. Os sons também merecem citação: vez ou outra tentamos ouvir até o fim o cantar de uma ave que tenta fazer sobreviver sua voz em meio à sinfonia agradável de motores roncando, latinhas caindo e até alguns xingamentos reverbóricos.

É também um bom momento para exercitar a imaginação: o mato nos canteiros já chegando à altura de um pré-adolescente se transforma numa floresta digna de livros de fantasia; os córregos representam o sangue que corre em muitas artérias e veias por aí, cheias de impureza (e até obstruídas); os buracos, com seus tamanhos diversos, lembram o encanto de um garoto a ver a Lua pela primeira vez num telescópio.

Também não poderia deixar de falar de como pode ser benéfico pegar uma BR-116, digo no sentido espiritual e mental mesmo. Um indivíduo precisa ter muitíssima paz de espírito para manter-se sóbrio de si, já às setes horas da manhã, naquela rodovia. E o problema se espalha pelas avenidas e ruas, mas creio que isso já é um tanto quanto batido, não só se tratando das estradas alencarinas.

Mas o que me chamou mais atenção mesmo foi num momento de espera, enquanto o sinal estava vermelho. O carro parou mesmo ao lado esquerdo de uma ambulância que estava "estacionada" em frente à uma clínica pequena e fechada. O veículo era diminuto, não era como esses do SUS, tinha nele grafado as legendas de uma prefeitura próxima. Vi que o homem, motorista, no caso, encarou-me, daquele jeito mesmo de quem pretende vir - e veio. Dizia haver naquela ambulância uma senhora e, como dava para ver, o mesmo havia dado prego, não tinha jeito. Pediu para que fosse levada no carro em que eu estava. Num dos bancos da frente se podia ver uma mulher, meio jovem, no telefone, com uma cara nada boa. No geral, se eu me visse no espelho, com toda certeza meu semblante também não estaria alegre, agora sabendo daquela situação.

A distância do hospital pr'aquele ponto em questão era considerável, imagino e, imagine você também, o que poderia ter ocorrido àquela senhora, ali, caso ninguém a ajudasse?

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 16/03/2022
Código do texto: T7474193
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