Princesinha

                              do bairro longe...

 

 

 

          José Maria, como posso dizer, é a paixão em pessoa. Apaixona-se com uma incrível rapidez e surpreendente facilidade. Com suas paixões repentinas e exageradas, nem sempre se dá bem nos seus namoros. Vez por outra, quebra a cara. Sofre. Inda assim, continua amando mulheres feias e bonitas. Entrega-se. Rende-se. 

          Um sorriso furtivo de uma mulher qualquer  é o bastante para invadir-lhe os olhos e conquistar-lhe o coração. Fica como o meu neto resume numa só palavra: gamado. E o que é mais estranho: antes que a manceba declare que aceita conversar,  ele declama versos de Castro Alves, procurando envolvê-la. Às românticas, ele agrada com seus ímpetos amorosos. Existem, porém, as que detestam declarações de amor antecipadas. Com essas, claro, ele se dá mal. 

          Outro dia, passava eu pela nossa pracinha, minha e dele, e descobri o Zé sentado num banco virado para o mar da Pituba. Estava sozinho.  Sua mão direita segurava uma icsória, a flor da pracinha, e com a mão esquerda sustentava o queixo. Olhava não sei pra onde e nem pra quem. Um olhar perdido? Talvez, não.  Interpelei-o, com muito cuidado. E ele: "Amigo, estou apaixonado!" E eu: Zé, isso não é novidade. Diga-me quem é ela. É bonita? É feia? Mais ou menos? Acima de tudo, ela te trata bem? Te ama?

          Apontando para um barzinho, próximo à pracinha, o Zé, num lamento dolorido, afirmou: "É a Marina, amigo. A garçonete daquele bar. Linda! Observe como ela atende o cliente que acaba de pedir uma cervejinha. Qui requebro! Graciosa! Atraente! Doce! Elegante!" Olhei, olhei e concordei. Ele dizia a verdade. Com seus olhos procurando os meus, Zé Maria queixou-se: "Ela marcou comigo, aqui neste banco, e, até agora não apareceu..." Consultou seu relógio duas ou três vezes e gritou baixinho: "Sou um infeliz! Um desgraçado!" E parecendo desiludido, perguntou: "Por que Marina?"

          O que fazer para consolar o amigo. Eu que já passara por igual situação. Amei uma mulher, faz muitos anos, que me prometeu voltar e sabe o que aconteceu?  Não voltou.  Chorei e a esqueci. 

          Pus a mão no seu ombro procurando suavizar a dor do amigo, que se dizia rejeitado pela mulher que ele tanto amava, a Marina, a bela garçonete do barzinho. Lancei mão do velho conselho: Zé Maria, no mundo não existe só a Marina. Equeça-a e arranje outra mulher.

          E ele, com os olhos querendo chorar: "Mulher a gente encontra em toda parte, mas não se encontra a mulher que a gente tem no coração" disse o Mestre Ataulfo. Abracei-o e parti. De longe, vi que o Zé continuava olhando para o barzinho, que começava a fechar suas portas. A chuva ameaçava cair. Anoitecia.

                                             ***

          Vejam como são as coisas. Não faz muito tempo, manhã de sol fervendo, andando sem maiores compromissos, encontrei o Joaquim, meu colega na Faculdade de Direito, quase ajoelhado na porta de uma igreja. Saudei-o com um forte abraço, mandando a pandemia para a cucuia. E lhe perguntei, mostrando-lhe minha estranheza: Ô, Joaquim, que fazes tu, a estas horas, na porta de uma igreja? Tu, que rezas tão pouco. Aconteceu alguma coisa grave?

          Franzindo a testa, sério, Joaquim me disse: "Colega, estou apaixonado por Iara.  Tem 26 anos; significa dizer que é 40 anos mais nova do que este seu amigo, já se vendo com o cabelo prateando, generosidade dos deuses".

          E prosseguindo: "Ela mora na minha rua; naquele bairro distante, que o colega não conhece.           Vejo-a, todas as manhãs, sôfrega, pegando o ônibus que a leva para o trabalho. Mulher um tanto rebelde, mas sexualmente atraente. Tenho feito tudo para conquistá-la. Presenteei-lhe com bonitos colares, inconfundíveis e olorosos perfumes, e outras coisas mais que as mulheres adoram. Antes de mais nada, dei-lhe muito afeto, indiscutíveis provas de amor...

          E mais: "Jovem mulher, mas, na sua vida, atravessou duras provações, superando-as. Vem se preocupandao em reescrever sua vida com muita dignidade". 

          Pondo meus olhos nos dele, indaguei-o: Gostas da Iara, como dizes? Já marcou o casamento?           Joaquim, querendo esconder os fatos, foi sumítico: "Amigo, de fato, eu amo Iara. Mas ela não é minha. Ela é de outro e não é d'agora. Esse tempo todo que nos conhecemos, talvez para não me ferir ou não me magoar, simulou, não digo um namoro sério comigo, mas "gostar" de mim. Mentia. Mesmo assim, estou, aqui, na porta desta igreja, agradecendo a Deus por tê-la conhecido".

          Despedimo-nos. O velho Quincas se foi, com Iara na lembrança; e eu, lembrando uma mulher que um dia amei; faz muitos anos, décadas, como o Joaquim, querendo-a só pra mim...  Só pra mim?            Saudades da borboletinha, da princesinha do bairro longe, menina modesta, sorriso encantador, corpo divino. Oferecia-lhe rosas vermelhas e bem cheirosas... e muito carinho.  Ela agradecia, mas nunca disse que me amava... E o inimaginável: soube por ela mesma que seu coração era de outro. Doeu-me...

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 16/03/2022
Reeditado em 19/03/2022
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