Estação

O relógio da estação marca 10:14h, 31°C e 14:03, necessariamente nessa ordem, em ciclos. É o mesmo lugar que era nos anos 70, época dos meus avós, e só não é o mesmo que dos anos 1800 porque foi convencionado não usar mais trens - e sim os ônibus - para o transporte intermunicipal. Então a estação mudou de lado e a linha férrea, sua vizinha, agora só leva minério e ferro. Isso me lembra porque nos chamamos "Minas Gerais". A estação de trem tem aquela memória romantizada produzida pelos anos e a de ônibus, a história pouco romântica do cotidiano.

Aqui é onde as pessoas, em sua grande maioria humildes, faz suas corriqueiras viagens em busca das coisas que suas pequenas cidades não têm: vem em busca de saúde, educação, trabalho, recursos e a tão sonhada "terra prometida". Os intermunicipais vão e voltam, todos os dias, e com eles sonhos se tornam cansaço e escolhas são feitas por necessidade. Os idosos tem limite (literalmente) nessas linhas, já que a empresa só autoriza dois isentos por vez. Se você tiver cem anos e for o terceiro da fila, não importa o quanto já tenha esperado ou contribuído para a memória ao lado, não é sua hora de finalmente fazer a viagem de graça.

A rua da estação, cujo perímetro não ultrapassa o edifício em forma de navio onde (embora todos conheçam) ninguém conhecido já tenha entrado, é teoricamente perigosa e abrigo de moradores de rua, catadores de recicláveis, vendedores ambulantes e loucos, como dizem por aí. Não se compara à saída de táxis da "Novo Rio", no vizinho, mas é a nossa versão de caos urbano organizado.

Nós temos um toldo sob nossas cabeças porque um dia o projeto urbano de Juiz de Fora achou ruim deixar o povo no Sol, ou o próprio povo reclamou do relento. Ou ia ficar bonito na decoração, no geral. Nós não temos bancos confortáveis, uma rua limpa e arborização porque ninguém se importa o suficiente com isso quanto se importaria com um aeroporto internacional, por razões dolorosamente óbvias: o tipo de público atendido. Uma criança acaba de jogar o pacote de biscoito no chão, bem do meu lado, em cima de uns três cigarros, já pisoteados, que um adulto jogou antes. Uns bancos depois, a gari conversa com um idoso e encontra descanso do trabalho.

A tradicional, conhecida e consagrada estação é o retrato do meu Estado: bonito na história, charmoso no turismo, encantador nos comerciais e duro na vida. A maioria aqui não tem dinheiro pro pão de queijo e não vê graça nas igrejas históricas.

O ônibus (que não é uma Maria-Fumaça, obviamente), sem ar condicionado, wi-fi, bancos estofados acabou de chegar. Segunda feira: o dia em que a história começa de novo.