Som da Matriz
Minhas lembrança são sazonais, mas constantes, quando lembro de minha infância, não sei se acalentado por inspiração nostálgica ou se por algum fenômeno natural intrínseco à natureza humana, pois em minha mocidade (quando minhas energias eram superiores a meu corpo) eu encenava meus dias com muita brincadeira de 'guri' como manusear os “peões” (aquele brinquedo com linha que girava sobre um pino); soltando as pipas (pandolgas); lisonjeando-me pela habilidade de execução do 'estilingue'; jogando 'bolitas', cujo jogo ensejava muitas expressões híbridas que oscilavam entre o Guarani e o Castelhano, como por exemplo: “não dô belas”; “Não vale podioçô”; “Só vale teçá” etc.
Quem já leu minhas crônicas ou poesias que relatam meu cotidiano histórico relativo à minha adolescência, sabe que nesse período de minha vida eu vivia na querida Amambai-MS, a cidade crepúsculo do Estado de Mato Grosso do Sul; fonte de minhas lembranças e que hoje volvem meus pensamentos, fazendo renascer uma pontinha de saudade, daquelas que nos elevam por um sentimento de carinho e de consideração, relembrando meus mestres, meus colegas de Felipe de Brum, as ruelas desgastadas pela ausência do progresso, mas que davam ensejo a muitas brincadeiras em suas areias ou em seus gramados abundantes.
Nesse contexto de lembranças, não esqueço da Praça instalada no centro da cidade, de suas árvores ornamentais que ainda não sei definir direito o seu tronco de origem, mas que significavam para meus olhos uma grandeza de imagem, como se fossem pinheiros de natal, por lembrar de época em que algumas delas eram ornamentadas pela Prefeitura Municipal e brilhavam intensamente aos meus olhos com inigualável encantamento.
Essa mesma Praça foi palco de peraltices da molecada que me vem à mente como se estivessem ocorrendo nos dias de hoje, quando cada um de nós alcançávamos o nosso sonho de ganhar uma bicicleta. Era na Praça a nossa estréia da “magrela”. Alguns dos intrépidos colegas tinham a ousadia de transitar com sua bicicleta por cima de uma mureta de mais ou menos quarenta centímetros de altura, numa total exibição de perícia, cuja faceta tentei por algumas vezes e vi que a proeza poderia render alguns traumas e desisti quando ainda era tempo. Mas, eu não ficava muito a desejar nas competições com “magrelas” no interior da Praça, pois nas brincadeiras de 'pega-pega' minhas habilidades transpunham o mais astuto dos componentes da brincadeira.
No entanto, não são só as lembrança alegres que chegam nesse turbilhão de pensamentos e ainda estremeço quando à qualquer hora do dia se ouvia o serviço de alto falante da Igreja Matriz dar os primeiros sinais de uma música fúnebre anunciando que alguém da cidade havia falecido.
Assim, o som da Matriz não significa para mim apenas a boa lembrança da Ave-Maria, tocada todos os dias às 18:00 horas em ponto, mas também esse serviço de anúncio que ocasionava o arrepio da alma, pois passei a entender desde muito pequeno que a vida reserva um fim inexorável para o qual todos devemos estar preparados. No próximo domingo depois desse anúncio era para mim um momento de muita fé e de muita dedicação aos dogmas cristãos.