A POÇA D'ÁGUA
Após a chuva do amanhecer, embora fraquinha e passageira, formou-se uma poça d'água barrenta em frente a casa onde moro. No lugar onde seria calçada nunca construída por falta de condições financeiras, palco de nossas reuniões ante a beleza crepuscular do sol se recolhendo para dormir e dar lugar à lua, após aberta a boca da noite, a poça. Simples, ingênua e singela com sua característica simbólica de humildade, porque essas pequenas poções de chuva acomodadas às portas de algumas habitações do bairro só acontecem à penumbra da pobreza dos que não podem fazer calçadas. A chuvinha, então, travessa, deixa sua marca territorial da mesma forma como o fazem alguns animais.
As crianças da redondeza passam correndo alegremente sobre o filhote de laguinho brotado ali e espalham respingos em derredor. Que não tenha ninguém à porta nesse momento, porque ficará salpicado de aguinha barrenta. Na realidade, a poça d'água em frente a minha casa não é única, claro, aqui e ali na ruazinha onde moro - triste rua modorrenta! - outras casinhas também recebem a benção da chuva e a irritação de igual probleminha aquático. Quem se apressa em tentar escoar esse perigo molhadorzinho se meleca todo e precisa tomar um banho de cuia logo depois. Bom, sim, é melhor do que permitir o crescimento da bichinha dia após dia e se sujeitar ao aparecimento das larvas de muriçoca e, talvez, até mesmo de pium, um bichinho danado de aborrecedor e de picada doída.
Quiçá um dia eu dê um jeito de fazer uma calçadinha, por mais singela e humilde que seja, não importa, de modo a nunca mais a chuvinha deixar seu xixizinho acomodado bem diante da porta de minha casa para servir de bagunça da criançada assanhada e de criadouro de pernilongos.