Não estou só

Estava tão silencioso, tão calmo, como se o mundo fizesse questão de estar em silêncio para que todos pudessem escutar a chuva fraca, para que cada gota ao se colidir contra o chão pudesse ser ouvida.

Eu sempre voltava para casa pelo mesmo caminho, mas dessa vez algo parecia diferente. A escuridão absoluta da noite sem sequer uma estrela para iluminar aquele sombrio céu, coincidentemente nenhum carro ou outra pessoa passou por mim. Era apenas eu e o som dos meus passos na calçada naquela rua que parecia ser habitada por fantasmas.

O dia tinha sido difícil para mim, não que costumava ser bom. Era sempre a mesma coisa, sempre deprimente. Eu vivia, bom, eu vivo com um medo constante de ser julgado pelas pessoas, de que elas me repreendam. E quando percebi, me sentia desconfortável com quaisquer interações. Isolei-me de tudo e todos.

Andar naquela rua geralmente me agradava, pois eu estava só. Mas nessa noite em específico tinha algo de errado. As poças de água que se formavam na estrada refletiam as fracas luzes amarelas dos postes de luz, que por sinal, eram terríveis, viviam falhando e piscando e sua iluminação não se estendia muito. As casas caindo aos pedaços e a sujeira em frente a elas deixavam a rua deplorável. Tudo parecia abandonado.

Esse incomodo começou a aumentar. Então eu parei, levantei a cabeça olhei para frente por alguns segundos e em seguida lentamente olhei para trás ainda com as mãos no bolso, Nada. O poste de luz falhou, mas ainda sim... nada fora do comum.

Continuei minha caminhada, porém parecia que nunca chegava. Após mais alguns minutos tive a sensação que algo ou alguém me observava. Senti uma tensão percorrer meu corpo, mas não tive coragem de fazer nada. Um vento frio como laminas cortando minha pele sopraram contra mim.

A impressão de observação ganhava intensidade. Braços inexistentes me envolveram por trás.

Era uma sensação terrível, braços gelados que me agarraram por segundos depois sumiram. Olhei para trás, mas novamente não tinha nada. O medo me consumiu. Logo depois vultos pretos e borrados surgiam e desapareciam de todos os lados, a única coisa que era perceptível nos milésimos que eles ficavam parados, era um sorriso enorme.

Eu tentava acompanhar eles descontroladamente, mas o medo sufocava a razão.

Risadas. Risadas altas vinham de todos os lados... risadas de desprezo e humilhação. Elas ficavam cada vez mais próximas e altas, tão altas que eu não escutava mais o barulho agradável da chuva. E os vultos se aproximavam cada vez mais me cercando.

Caí de joelhos em pânico no meio da rua com a respiração descontrolada.

Eu pressionava minhas mãos contra minha cabeça e fechava os olhos com força na esperança de acordar desse pesadelo. Mas não funcionou nada, os vultos se aproximavam com aquele sorriso, e a risada ficava cada vez pior. Gritei para que o mundo inteiro ouvisse, então o vulto se estabilizou em um só ser. Uma criatura terrível de outro mundo, com corpo humanoide, mas um sorriso do submundo. Um demônio.

Se aquela criatura não me matasse, o desespero e o medo matariam.

Ela abriu os olhos e eu olhei profundamente para eles ainda em pânico. Aquele sorriso perturbador não cedia. Eu estava um completo caos, minha mente gritava em desespero e salvação.

Foi quando o demônio me olhou diretamente que eu percebi que aquele demônio... era meu. Eu me assustei tanto com ele já que.... Eu tinha criado ele a partir dos meus medos.

O meu demônio era a insegurança.

Lanka
Enviado por Lanka em 15/03/2022
Código do texto: T7473438
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