DIÁRIO DE UMA PANDEMIA - Relatório

Relatório

O fato de ser perito da polícia tem me levado a testemunhar coisas inimagináveis para a maioria das pessoas. E, nos últimos tempos, algumas coisas que pareciam absurdo ou que só acontecem no cinema, tomaram conta da realidade de forma avassaladora.

Vivemos dias nunca imaginados. O mais criativo autor de ficção científica ainda não havia criado um cenário tão assustador como o que estamos vivendo. A tensão e o medo são companheiros mais fiéis do que os melhores amigos.

Ninguém se sente seguro. E, de fato, ninguém está seguro.

Mesmo se apelássemos para a fantasia das produções de terror ou para os dramas de suspense não encontraríamos um correlato para o que está acontecendo em nosso mudo, angustiado pela incerteza.

As indagações a respeito do futuro se acumulam e não temos perspectivas de soluções.

No final do século XX dizia-se que o mundo estava numa encruzilhada. Hoje, findando a terceira década do século XXI, sabemos que a humanidade enveredou por um caminho que não tem volta.

E o medo é o companheiro mais fiel de cada pessoa.

Milhões de pessoas morreram e outros vários milhões ficaram com sérias sequelas por causa de um vírus mutante, que ronda feito fantasma, nos sonhos das mentes atribuladas.

É verdade, também, que outros milhões foram infectados e nada sofreram. Mas isso não afasta o medo, pois ainda não se tem certeza de que não existe reinfecção. E havendo reinfecção, como reagirá o organismo? Nossos melhores pesquisadores estão atônitos e sem sabem para qual rumo caminhar e qual caminho indicar..

Somos reféns de um vírus tão imprevisível que nenhuma vacina, até agora, conseguiu se contrapor a ele. Todos os medicamentos testados, até o momento, quando conseguem conter ou minimizar os sintomas, tem que ser descartado por causa dos efeitos colaterais que são tão danosos, ou piores, que os efeitos do vírus do mal.

Aliás, “vírus do mal” é a denominação usada pela mídia mundial, para se referir ao vírus que se alastrou por todo o planeta… e do qual ainda não sabemos a verdadeiro origem!

Um mal que, pelo que se sabe até o momento, surgiu num vilarejo chinês de onde se propagou por toda a China, alastrou-se pela Ásia, todo o oriente e invadiu o ocidente.

Chegou à América em fevereiro e logo após o carnaval espalhou-se pelo Brasil. No ano anterior, ainda no começo, quando se espalhava pela China, parecia que logo seria controlado ou que seriam produzidas vacinas ou um remédio eficiente...

Mas já se passaram mais de dois anos e a pandemia permanece ativa. E o vírus do mal continua fazendo vítimas.

O vírus do mal mudou a face do mundo. Ou, melhor dizendo, em poucos meses, destruiu nosso mundo.

O vírus do mal obrigou as pessoas a transformarem suas vidas, todos movidos por um único sentimento: medo!!!!

O sistema econômico entrou em crise, faliu e começa se reconstruir com novos valores, mais vorazes que o capitalismo, enterrado ainda agonizante, quando o vírus do mal se apresentou como uma trágica realidade.

O sistema político, que já era viciado, caiu definitivamente nas garras do vício da corrupção. Principalmente na forma de desvio de dinheiro que deveria se aplicado em pesquisas e equipamentos de proteção… e na compra de medicamentos...

O sistema público de saúde precisou confessar sua ineficácia e escancarou o oceano de dinheiro desperdiçado e desviado de sua utilização em favor da população mais pobre...

O sistema privado de saúde mostrou suas garras venenosas, alterando os preços em nome do lucro, gerado às custas de muitas vidas, muitos deles negando atendimento alegando ser uma enfermidade “que o plano não cobre”….

As relações sociais tiveram que ser repensadas. Visitas, festas, abraços… até um aperto de mão passaram a ser sinais ou possibilidade de perigo...

O turismo perdeu o sentido de existir, pois o local que se pretende visitar pode ser o novo epicentro de um novo surto a desencadear nova pandemia, pois o vírus do mal, por ser mutante, se remodela em diferentes ambientes...

Tudo isso por conta do medo desse inimigo tão minúsculo quanto mortal. O medo que impulsionou o progresso da humanidade, agora a está encurralando em casas e apartamentos. Ambientes domésticos redescobertos em razão das exigências do isolamento imposto à sociedade….

A violência doméstica nunca foi tão grande quanto nos últimos meses: agressões físicas, violência sexual, parceiros se matando ou suicidando-se diante da impotência contra aquela pessoa que até poucos meses atrás era parceiro de cama, mesa e sonhos...

Esses são alguns traços do desenho da tragédia, embora ainda não saibamos, ao certo, com quais cores ela será ilustrada!

Pelo menos até o presente…

Uma esperança?

Acaba de surgir uma esperança.

Melhor dizendo, tudo indica que acaba de surgir uma esperança.

Neste recanto escondido, de Rondônia, a polícia foi chamada às pressas para averiguar o caso de uma pessoa que foi encontrada morta, em sua residência.

Os policiais chegaram ao local, num bairro longe do centro da cidade. A porta estava aberta. E, segundo os vizinhos, foram algumas crianças, brincando, que abriram acidentalmente a porta, que não estava trancada, e se depararam com a cena.

O corpo já em decomposição

O mal cheiro, tomando conta do ambiente, tornava o ar quase irrespirável.

Vermes e moscas haviam se apropriado do cadáver, cobrindo-o como um lençol pestilento. Impossível o reconhecimento facial!

Como perito da polícia, fui encarregado de fazer o exame do local e agora estou redigido meu relatório, mostrando algumas situações e encaminhamentos para dar prosseguimento às investigações

Nada de anormal na casa. Mas, na edícula, aos fundos, um bem montado laboratório de biologia.

O computador foi levado para o pessoal da informática fazer uma varredura. Mas, até o momento, não se encontrou nele nada além de fórmulas de experimentos já conhecidos.

Intrigaram-nos dois cadernos, daqueles de várias matérias. Um deles com muitas anotações, para nós incompreensíveis. Inicialmente ele foi deixado de lado. Mas depois que se leu o segundo caderno, que parece um diário, o delegado acionou a policia federal e esse caderno foi enviado para ser analisado por duas universidades: uma de São Paulo outra do Paraná. Dessas anotações, devidamente analisadas e processadas é que se espera maior luz para enfrentarmos essa pandemia

O outro caderno, o que contém uma espécie de diário, coube a mim digitalizá-lo a fim de incorporá-lo ao processo. Mas o autor do diário não era muito fiel às suas anotações. Não era um diário rigoroso, pois vários dias ficaram sem anotações. E não são todas as anotações que contém a respectiva data.

Não havendo datas em todas as anotações, para facilitar meu trabalho, estou usando uma espécie de título que aparece, no início de cada anotação: Dia 1, Dia 2…. Nos dias em que aparece a data, ela foi mantida, no alto, do lado direito. Mas foi mantida a sequencia dos dias: Dia 3, Dia 4…

Como peça deste meu relatório, segue a transcrição do diário: