PROFISSÃO DE FÉ

PROFISSÃO DE FÉ

Nelson Marzullo Tangerini

R. Lefort Varon foi um dos poetas da Roda Literária do Café Paris. Pouco se sabe a seu respeito. Não sabemos quando e onde nasceu e morreu. Provavelmente, era natural de Niterói, como a maioria dos “parisienses”.

É possível, também, que tenha escrito uma boa quantidade de sonetos. Mas só temos notícia deste soneto, “Profissão de fé”, abaixo, um tanto simbolista, publicado num álbum do Cine-Teatro Éden, – na verdade, um caderno com trabalhos e fotos dos rapazes da Roda e de artistas de cinema internacionais - , Niterói, RJ, 1926, e republicado nos livros “Nestor Tangerini e o Café Paris”, Editora Nitpress, Niterói, RJ, 2011, e “Os poetas satíricos do Café Paris – Clássicos Fluminenses -, Volume 9 -, Organização de Luiz Antonio Barros, Editora Nitpress, Niterói, RJ, 2014.

Enfim, pensamos que, se Varon tinha um livro pronto ou em gestação, este trabalho poético pode ter sido perdido para sempre.

Vamos, portanto, ao soneto deste misterioso e “emparedado” poeta (com métrica imprecisa - talvez erro de editoração da gráfica que compôs o álbum):

“PROFISSÃO DE FÉ

Pelo meu sonho – a vida até o momento extremo,

Embora me apedreje a multidão abjeta

Dqueles que não veem esse claro supremo

Que ilumina e requeima um cérebro de poeta.

E, portanto, eu bendigo o Ideal, a que me algemo;

Não me abala o temor da destruição completa...

- Se acaso choro e reze e maldigo e blasfemo...

É conquistando em tudo a desejada meta.

E, se um dia, tombar na ânsia que devora,

Seja altivo e enroupado em visões que não domo.

- Bradando “hurra”, na voz que a garganta estertora.

E, martelando a ideia, onde o esforço não medra,

Morra! Vencido, sim – mas vigoroso como

Um mineiro a esmagar-se entre blocos de pedra!

O parnasiano Olavo Bilac, em “A um poeta”, vê o artista da pena de outra maneira: como um sério operário que constrói, com suor e dedicado esmero um colossal edifício, um templo grego, uma joia de raro valor ou, mesmo, um soneto.

“Longe do estéril turbilhão da rua,

Beneditino escreve! No aconchego

Do claustro, na paciência e no sossego,

Trabalha e teima, e lima, e sofre e sua!

Mas que na força se disfarce o emprego

Do esforço: e trama viva se construa

De tal modo, que a imagem fique nua

Rica mas sóbria, como um templo grego

Não se mostre na fábrica o suplício

Do mestre. E natural, o efeito agrade

Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,

Arte pura, inimiga do artifício,

É a força e a graça na simplicidade”.

A segunda geração parnasiana, igualmente talentosa - como os poetas do Café Paris -, nascida em meio ao advento da Semana Moderna de 1922, foi maldosamente deletada pela crítica literária da época, que achando serem os sonetistas “passadistas”, foi responsável por esse total desprezo a um trabalho de raro valor literário. Porque, em sua diversidade poética, os “parisienses”, traziam traços da poesia satírica de Bocage e Gregório de Matos, do Simbolismo, do Parnasianismo e, até mesmo, do Romantismo.

No mesmo álbum da Cia. Cine-Teatro Éden, portanto, encontraremos o soneto “Eu”, do “parisiense” Raul de Oliveira Rodrigues, o que comprova a diversidade literária da Roda do Café Paris:

“Artista – sonho, sofro, amo e padeço,

Mas não maldigo a minha condição...

Muita vez, de mim mesmo alheio, esqueço

Que sou humano e tenho um coração.

Amigo – tenho o amigo em alto preço;

Trago sempre, ao falar-lhe, a alma na mão...

Para o seu misticismo, em sonho, teço

As cortinas liriais da Perfeição!

Poeta – sou como a abelha em pleno viço:

Retiro da alma as emoções impuras,

E construo, em silêncio, o meu cortiço...

Homem – reduzo a minha vida em ânsias...

Trago na alma o infinito das Alturas,

E no olhar a sequencia das distâncias!”

Assim como Varon, também não sabemos onde Raul de Oliveira Rodrigues nasceu e morreu, e se deixou outros sonetos para que pudéssemos apreciar sua obra.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 14/03/2022
Código do texto: T7472637
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