Carta da Liberdade.

Saímos de Roma com destino a Putéoli que, anos mais à frente viria a se chamar Pozzuoli, na baía de Nápoles. O trecho foi feito de carruagem, cerca de 240 km entre um ponto e outro.

A estrada era de terra, bastante empoeirada, mas bem conservada, pois, era rota comercial que abastecia a capital durante o ano inteiro. Interessante que o Império Romano já mantinha como logística nesta rota comercial, entrepostos de abastecimento e comércio a cada 25 ou 30 km os quais serviam como ponto de descanso para os viajantes e também para a troca de animais que puxavam a carruagem.

Finalmente, após os quase cinco dias de viagem, chegamos ao Porto de Putéoli onde embarcamos no navio que zarparia ao amanhecer com destino a Régio e Siracusa, ainda na Sicília, e de lá para Bons Portos na ilha de Creta, prosseguindo até Rodes e Cnido onde desembarcamos, já próximos da Frígia. O navio prosseguiria viagem até Mileto, mas decidimos desembarcar em Cnido e, de lá, novamente por terra, chegamos a Colossos.

Eu não estava viajando sozinho. Tíquico também estava comigo e, ambos tínhamos a incumbência de entregar duas cartas muito importantes escritas pelo apóstolo. Uma delas, sob a responsabilidade de Tíquico estava endereçada à igreja dos colossenses que, naqueles dias se reunia na casa de Filemon, sua esposa Áfia e o seu filho Arquipo.

A segunda carta, que eu guardava com especial cuidado, fora também escrita pelo apóstolo e deveria ser entregue a Filemon por mim mesmo, em mãos. Evidentemente, eu não conhecia o conteúdo da carta, mas, entre duas opções, de uma coisa eu sabia: ela significava a minha condenação, por ser um escravo que havia furtado bens do meu senhor e fugido para Roma, ou a minha absolvição.

Era costume do destinatário, ler a carta endereçada pessoalmente a ele, na presença do mensageiro, pelo que fui conduzido até Filemon escoltado por alguns dos homens que o serviam; e foi quando ele passou a ler na minha frente o arrazoado de Paulo a meu respeito.

Confesso que enquanto ouvia a leitura com a maior atenção, os meus olhos se encheram de lágrimas e eu não conseguia contê-las.

As palavras de Paulo ainda ressoam em minha mente, quando ele pedia ao meu patrão, em nome do amor, que me considerasse útil, tanto para ele, Filemon, quanto para o próprio apóstolo, embora eu tivesse sido inútil no passado, antes da minha fuga.

Chegou a dizer também que, de sua vontade, gostaria que eu permanecesse com ele em Roma, mas sabia que era necessário que eu retornasse a Colossos como prova viva da minha restituição por ainda ser propriedade não resgatada, e para que eu tivesse oportunidade de me retratar do furto cometido no passado.

Quem nunca incorreu na desventura de dever alguma coisa a alguém, seja por injuncão de circunstâncias desfavoráveis na vida, ou por quaisquer outras razões a ponto de acreditar ser impossível saldar ou quitar a dívida contraída?

E quem, neste mundo de incertezas e surpresas poderia compreender esta situação, a não ser o indivíduo comprometido com a misericórdia e o perdão, duas características distintivas de alguém que se afirma discípulo de Cristo Jesus?

No meu caso quem mais poderia tratar-me com tamanho amor e compaixão, como fez o apóstolo, a ponto de interceder por mim e ativar no coração de Filemon essas mesmas duas características que identificam o coração compassivo e generoso?

Agindo como agiu, o apóstolo estava dizendo para mim, embora escrevendo para Filemon, o seguinte:

"Onésimo, você precisa retornar a Colossos, render-se às mãos do seu antigo patrão e dono da sua força de trabalho, para que você se liberte de você mesmo, pois enquanto não fizer isso, você sempre será acusado, na sua consciência, de ter furtado o que não lhe pertencia, embora tenha corrido atrás da sua liberdade. O resultado da sua rendição está entregue nas mãos do Deus Eterno; você deve tão somente confiar naquilo que Ele deseja fazer, conforme o Seu caráter santo justo e soberano."

Sim, meu amigo. Hoje eu compreendo por experiência própria, o verdadeiro significado do perdão que atua pelo amor. Esta verdade ficou muito evidente para mim, principalmente quando compreendi o que Tiago, o irmão do Senhor, quis dizer ao escrever a sua carta dirigida aos crentes da Dispersão, usando a pergunta retórica:

"De onde procedem as guerras e contendas que há entre vós? Aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz, nisso está pecando."

Bem por isso, o apóstolo assumiu integralmente a minha defesa sugerindo a Filemon, noutras palavras:

"Recebe-o, como se você estivesse recebendo a mim mesmo. Não mais como escravo, pois a escravidão é um crime hediondo contra a dignidade do ser humano, mas como um homem livre que, por conta da sua manifestação cristã de amor e misericórdia, te servirá para sempre."

E mais, Paulo ainda diz a Filemon que o prejuízo que eu tinha causado no passado, ele mesmo se comprometia a fazer a devida restituição, caso fosse esta uma exigência legal do antigo patrão acerca da dívida contraída por mim, um escravo fugitivo.

Eu não ousava encarar o olhar penetrante de Filemon que me fitava enquanto lia os últimos versos da carta em que Paulo afirmava: "Eu te pagarei - para não alegar que também tu me deves a ti mesmo", numa clara referência ao fato de que, se não fosse o Evangelho que Paulo havia pregado e ensinado, Filemon ainda continuaria sendo um cruel e sanguinário dono de escravos.

Sim! O evangelho de Jesus transformou aquele homem ao reconhecer que foi o ensino da Palavra o grande responsável para que ele se posicionasse sobre grandes questões sociais, dentre elas o comércio escravagista, explorador da dignidade humana em todos os sentidos.

Levantou-se e dirigindo-se até mim com o rolo aberto, leu um outro trecho da carta que dizia:

"Escrevo-lhe certo de que você me obedecerá, sabendo que fará mais do que lhe peço."

Com estas palavras, chegou-se a mim e, na presença dos que se reuniram naquele pequeno espaço que mais parecia um tribunal declarou a todos que, não importando as consequências do seu ato na sociedade, a partir dali todos os escravos de sua propriedade estavam livres e alforriados.

O seu próximo gesto foi me abraçar com ternura, compaixão, misericórdia e amor, chamando-me à comunhão da igreja que se reunia em sua casa.

Tíquico a tudo observava e quando nos reunimos portas a dentro da casa de Filemon, ele desenrolou o pergaminho para ler na carta que o apóstolo encaminhara à igreja de Colossos e que eu faço questão de reproduzir pelo menos um pequeno trecho aqui, para encerrar este meu depoimento acerca da minha liberdade:

"Ele nos libertou do Império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados, e vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os vossos delitos tendo cancelado o escrito de dívida removendo-o inteiramente, encravando-o na cruz."

Jesus fez isto por mim e também por você!

Deseja conhecê-Lo?

Deus te abençoe!

Pr. Oniel Prado

Verão de 2022

13/03/2022

Brasília, DF

Oniel Prado
Enviado por Oniel Prado em 13/03/2022
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