O porteiro do prédio é um homem de meia idade, bastante discreto, e com um olhar que, por vezes, me confunde. Estaria ele tentando entrar na mente antes mesmo de fazer qualquer pergunta e antecipar uma resposta ou o seu olhar, misterioso, é a porta de entrada e saída de suas emoções pouco expressadas?
Fato é que nas redes sociais ele me parece outra pessoa. Reage aos meus escritos diários, discorda de minhas posições sobre a visão que tenho em apressada e estressada, e vive perguntando como posso conseguir expressar sentimentos e emoções, de maneira tão simples e pra qualquer um entender. Ontem mesmo perguntou-me, por meio de uma interação por que escrevo.
Mas ao encontrá-lo no elevador, depois do bom dia, restou o silêncio sufocante, ainda que perguntasse sobre o fim de semana e a família, ele era monossilábico.
Fez-me lembrar, de modo especial, de Maria Flor, menina meiga, de olhos esbugalhados, que corria na calçada junto ao seu irmão Athos, sorridente e cheia de energia, enquanto sua mãe, com o celular na mão, assistia vídeos no YouTube.
A menina, arrancava as flores, no jardim da praça, inocentemente, e ao chegar ao lado da mãe, colocava-as no chão e fazia um pergunta ou tentava uma interação, sem sucesso. Apenas uma onomatopeia se ouvia. Até que numa das voltas a menina solta:
- Mãe, me escuta com os olhos!
Aqueles segundos após a frase me revelaram a grandiosidade do olhar de escuta, do olho no olho, da conexão. Estamos tão abarrotados de nós mesmos, que a simplicidade de olhar nos olhos, deu lugar a uma escuta acelerada, sem compromisso, sem a devida responsabilidade afetiva. A pureza daquela menina parecia soltar-lhe dos poros. E a sabedoria presente num ser tão indefeso, pequeno. A mãe olhou-a nos olhos, à primeira vista esboçando raiva, depois, como que num passe de mágica, abraçou-a, aprtando muito, e pedindo desculpas. Ficou de pé e colocando o celular na bolsa, passou a rir daquela cena. Aquele minuto era pra mim um troféu. Olhei sorridente para a Maria, como quem pudesse celebrar com ela o feito, e ela retribuiu me dando uma flor. Maior presente era ter a Flor em nosso meio...
Então, meu amigo porteiro, quer saber por que escrevo?
Para dar vazão aos sentimentos que não cabem em mim quando uma criança revela o segredo da reciprocidade e simplicidade.
Para não deixar morrer as emoções que vagueam nesse mundo de gente apressada e atribulada.
Escrevo para não chorar na rua porque ser sensível num mundo tão duro é uma carga gigantesca.
Para entender como a tela une as pessoas e a presença física as separa, seleciona. Será que estamos habituados a viver atrás das telas e não sairemos mais delas? Será que soos melhores no anonimato?
Para não matar a curiosidade de modo mesquinho, mas para fazer com que as pessoas se leiam em meus textos, sendo protagonistas e coadjuvantes.
Não sou escritora. Apenas coloco no papel meus sentimentos, nem sempre de modo alinhado, na categoria correta, ou respeitando as regras cultas.
Tenho um estilo próprio e uma licença poética para sentir e viver os sentidos por meio das letras, postas lado a lado, como variação das emoções.
Escrever é dar a alma o direito de liberta-se das prisões, mesmo que esteja em uma gaiola de vidro e seja vista sob várias óticas. Há prisões que foram fechadas por dentro.
Escrever é ver o mundo em um quadro e eternizá-lo num livro imaginário que só cabe uma gota de amor por texto porque o mar, apesar de sua imensidão, não se enche sozinho. E as ondas vão e vem como o tempo.
Deus foi generoso com quem dedilha palavras que tocam e olham para além do que os olhos podem ver.
Escrevo porque sou uma granada e se for acionada explodo. Depois vou juntando os cacos, bem devagarinho, pra não perder nenhum estilhaço.
Escrevo porque sou envelopada à vácuo e quando me abrem, vou me ajeitando melhor sem pressão.
Escrevo porque sou dança em pé de sambista e a leveza das mãos da bailarina.
Porque SOU. E SER dá um trabalho danado. Experimenta.