“Diz a lenda, que em um grande incêndio na floresta, viram um passarinho que voava até um rio, apanhava uma gota d’água com o bico, e a jogava sobre as chamas vorazes. Debalde, tentava apagar o incêndio!”

 

Numa manhã de sol irradiante no Jardim Oceania, aprazível bairro residencial de João Pessoa, Capital da Paraíba, na Praia do Bessa, extensão do bairro, eu estava pegando uma cor, quando, ao longe, vindo em minha direção, vi um casal de idosos carregando um guarda-sol; caminhavam por sobre uma camada de sargaços que a Lua Quarto Crescente havia jogado na areia. De vez em quando, indignados, desviavam ou pisavam com cuidado sobre detritos variados, lixo, que a Maré Morta havia devolvido para a cidade.

 

Perto do local onde eu lagarteava ao sol, armaram o guarda-sol, abriram as cadeiras de praia, acomodaram as sacolas de praia nas traves de madeira do ombrelone e entraram no mar. As águas tépidas e transparentes da Praia do Bessa os acolheram confortavelmente.

 

Após alguns mergulhos e braçadas, voltaram para o guarda-sol, sentaram e ficaram observando os praticantes de esportes aquáticos e demais banhistas que se esbaldavam nas águas mornas do Atlântico Nordestino.

 

Algum tempo depois, o casal levantou-se e ficou caminhando sobre a camada de sargaços recolhendo detritos variados. Tinha de tudo: fraldas, máscaras descartáveis, canudinhos, latas de cerveja, cuecas, bermudas, garrafas pet, embalagens com caracteres chineses, árabes e em línguas inglesa, espanhola e francesa, brinquedos quebrados, marmitex, sacos plásticos, camisinhas, enfim… Todo tipo de detritos que um olhar mais atento, encontra em qualquer praia do litoral.

 

Diligentemente, os idosos recolhiam os detritos e os amontoavam em um local próximo. De vez em quando, entravam no mar, davam alguns mergulhos para amainar o calor e retornavam à atividade de catar lixos. Depois de recolher todos os detritos na área onde tinham montado o guarda-sol, ficaram, como duas crianças, conversando e brincando com as marolas.

 

Olhando-os, senti uma ponta de vergonha e remorso. Eu estava a tanto tempo sentado ao sol e não tinha recolhido uma mísera tampinha de garrafa. Vendo-os se divertindo como duas crianças após o exaustivo trabalho de recolher lixo, pensei com meus botões cheios de culpa: “Acho que felicidade deve ser algo parecido com o que estou vendo!”

 

Daí a um tempo, saíram do mar, sentaram nas cadeiras e ficaram secando ao sol, conversando e rindo.

 

Eu não conseguia desviar os olhos do casal de idosos.

 

Por volta do meio-dia, trocaram olhares e comentaram entre si:

 

-Vamos… Já está na hora do almoço!

 

Incontinenti, de dentro das sacolas de praia, retiraram vários sacos de lixo e caminharam até o monte de detritos que haviam juntado momentos antes, e os ensacaram. Em seguida, voltaram, recolheram seus pertences e vergados sob o peso do lixo recolhido, refizeram o caminho de volta por cima do tapete de sargaços

 

No caminho, num grupo de jovens que bebiam, ouviam música estridente e espalhavam latas e garrafas de cerveja ao redor das cadeiras de praia em que estavam sentados, um deles comentou:

 

-Êi, vovó e vovô… De que adianta recolher o lixo no local em que vocês estavam, se amanhã a maré vai trazer mais outro tanto?

 

A senhorinha olhou com complacência para o jovem, que tinha idade para ser seu neto, e respondeu:

 

-Querido, você conhece aquela história do passarinho que tentava apagar um incêndio na floresta, levando umas poucas gotas de água no bico?

 

-Conheço sim, vovó! Trabalho inútil, né? Aliás, sempre achei aquele passarinho um tremendo de um idiota!

 

A senhorinha sorriu para o jovem, e quase gritando por causa do som estridente, mostrou os sacos transbordando de lixo, e comentou:

 

-Como você pode ver, meu filho, estes sacos são as gotas… E nós, meu querido, somos os passarinhos idiotas… Fique com Deus, meu amor!

 

João Pessoa-Mar/2022

Arigó