CRÔNICA DE UMA PALAVRA SÓ
Até meus pensamentos estão fragmentados e espalhados na planície fria da mente apagada, nada consigo concatenar no campo da criatividade, algo completamente difuso e incoerente nesta alma normalmente alvoroçada e transbordante de ideias sempre tendo mil motivos e assuntos para contextualizar. Não hoje. Simplesmente me falta inspiração, fugiram-me as palavras, sinto que tudo conspira contra mim no que concerne ao plano de elaborar um texto qualquer.
Fervem-me os miolos numa incansável busca nebulosa, as sinapses usuais entre os neurônios se perderam desnorteadas, o coração acelera suas batidas dando a impressão de que vai saltar boca afora, tanta é a ansiedade. Já não controlo mais o balançar das pernas, os olhos perquiridores, as mãos atabalhoadas. Ou escrevo ou explodo! Alguma coisa coerente tem que surgir na tela branca do computador, que, aliás, penso, zomba de mim e de minha incapacidade cognitiva.
Digito apenas uma palavra desconexa, súbito, e isso me deixa feliz, eu vibro pensando em começar agora a primeira frase, uma oração talvez, mas ela fica sozinha durante longos minutos, desejando companhia, gritando sua solidão, agitando em desespero as parcas letrinhas que a formam. Suplicando-me que continue, que o texto brote o mais depressa possível para acabar logo com a aflição agônica a me abater. Negativo, nenhuma outra palavra se junta à primeira, deu branco total, melhor não insistir mais, transformei-me num estéril deserto de uma só palavra.