Profissão pedinte

Algo que vem me incomodando há muitos anos e que há dias penso em escrever é sobre pedintes. Tenho tido várias experiências com pessoas que andam pedindo pela cidade. Confesso que tenho ficado um pouco de “coração duro” se é que assim posso chamar. É que fico analisando o quanto temos feito mal para tantos que vivem a mendicância por profissão ou então mesmo pelo simples prazer.

Conheci vários tipos de pedintes, mas o que mais me chocou certo dia foi o caso de um senhor que dizia ter perdido a mulher e a filha em um acidente. E, vindo ele de Pernambuco buscar os corpos na UML daqui de Campina Grande, esqueceu sua carteira e todos os seus documentos, de tão “aperriado” que ficou.

Essa história eu escutei do próprio senhor em um salão de beleza da cidade. Estava eu lá quando ele chegou contando a tragédia que tinha acontecido com a sua família. Dizia ele que a mulher e filha estavam vindo fazer compras em Santa Cruz do Capibaribe, quando o ônibus em que elas viajavam se envolveu em um acidente. Conversei com ele, e, fiz algumas perguntas tentando captar dados para ver se rendia uma matéria para ser publicada no jornal. Disse a ele que traballhava em um jornal e, assim que chegasse ao trabalho, eu iria ver se já tinham feito essa matéria, para isso, perguntei os nomes da mulher e da filha. Ele dizia que queria apenas uma ajuda para comprar a passagem de volta para Surubim - PE e, assim, arranjar lá um carro com a prefeitura para levar os corpos de sua família.

Ficamos muito penalizadas com aquela situação. Eu quase chorava, em ver a tristeza de um pai de família, perdendo duas pessoas muito queridas de uma só vez. Eu disse até que sentia muito a sua dor, pois eu já havia perdido um sobrinho em acidente. E sabia que a dor dele era bem maior que a minha. Ele chegou até a comentar a gravidade do acidente. “Dona, a pancada foi tão grande que os olhos da minha filha estufaram”, contou.

A minha amiga, dona do salão, pegou o único dinheiro que havia entrado naquela manhã e doou para o homem enlutado.

Eu saí dali, pois já era o horário de ir trabalhar. Logo na esquina, encontrei o senhor contando a mesma história para um homem que estava na calçada de sua casa. Daí, então, me veio uma certa desconfiança. Fui juntando uma idéia com outra. Percebi que enquanto conversava com ele, havia um cheiro de álcool, mas até que tentei entendê-lo... Num momento de dor terrível pelo qual ele passava era até justificável tomar uns goles para amenizar a situação, pensei.

Quando cheguei à redação do jornal, procurei saber do repórter sobre esses dois corpos que estavam na UML e nosso colega disse que havia ligado pra lá e só tinha corpos de homens, nenhum de mulher. Fiquei meio intrigada e pedi pra que ele confirmasse se essa história era verdadeira. Foi aí, que tirei a conclusão: havíamos sido vítimas de um 'trambiqueiro'. Era apenas mais um dos muitos que têm por aí espalhados por esse país afora.

Betty Nobre
Enviado por Betty Nobre em 22/11/2007
Reeditado em 29/09/2010
Código do texto: T746908
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