Sempre repito em voz alta a frase: Não tenho tempo pra fazer isso (ou aquilo)! Tenho a sensação de que quando o faço, treino minha avassaladora mente para criar barreiras (no campo metafísico) que me impeçam de realizá-los. Assim seria com a aula de dança, com o curso de culinária ou até mesmo com o curso de defesa pessoal.

Mas o cotidiano (há quem diga que o cotidiano pode ser chamado de Deus, ou o Universo em transição, ou ainda, uma força soberana que comanda e controla nossa vida, num espaço "extra-terrestre") vive me dando rasteiras. E quando menos espero, lá está ele de cambito espichado aguardando a minha passagem. Parece que uma nuvem negra paira sobre a minha cabeça e faz chover apenas no cículo que me rodeia, enquanto assisto a cena do sol pipocante, entre os demais: queda da altura do corpo!

Agora o jeito é esperar o tempo passar enquanto os cálculos renais (nefrolitíase bilateral) decidem sobre a pena para o crime de desidratação compulsória, causada pelo mal hábito de voltar com a garrafa cheia na bolsa. Também pudera, água tem gosto de que? É a mesma coisa de comer biscoito de arroz, por exemplo. Nada contra os sequinhos e fininhos grãozinhos reunidos em fila indiana, mas isopor deve ter o mesmo sabor, formato é bem parecido. Enfim, o tempo que não tinha, agora é o tempo que não passa. E nessa bagaça ( Marília Mendonça que o diga lá do alto) fico feito fofoqueira, nas janelas, observando a rotina do povo, no morro.

Lá vem a D. Maria com a sacola na mão. Tira a máscara, põe a máscara. pega o telefone. Coloca o telefone na bolsa. Grita a vizinha que passa de carro. Tira meleca do nariz. Sobe a calça. O ser humano é um bicho estranho, não? Quando me vê, observando-a, muda totalemente a postura. Coloca a máscara. Vem devagar. Passa álcool nas mãos. Fez-me lembrar de uma frase antiga sobre caráter: aquilo que fazemos sem expectadores seria feito com a mesma vivacidade se houvesse quem assiste? Será?

O moço da entrega da Farmácia está apressado. apertou o interfone e como a atendente disse que iria trocar de roupa porque estava no banho, ele simplesmente acelerou a moto e se foi. Falta paciência, não é?

O moço do correio estava com um sapato bonito. Não creio que a Autarquia fosse reponsável por aquele tênis bota com uma espécie de amortecedor. Mas também o menino merece: Não tem chuva nem sol que o faça desistir de suas antregas. Será que a empresa dá protetor solar contra os raios ultra-violetas? Mas os raios de luz dele pareciam bem alinhados, sorridente e prestativo. Ria com olhos, sabe?

O moço que retira o lixo veio correndo antes do caminhão. O que será aquilo? Mexe e remexe no lixo, e acaba acumulando alguns produtos selecionados para colocar numa sacola que trazia, à parte. Deu um nó no estômago. Ficar à toa, de boa, também traz feridas. Gritei-o para perguntar se poderia ajudar em algo. Mas deve ter ficado com vergonha, correu antes mesmo do caminhão parar e promover a mistura barulhenta.

A mãe, puxando duas crianças pelas mãos; O pai com o bebê no colo; A moça que trazia a vassoura nos braços; o motorista do caminhão com o celular na mão...

A agitada rotina de um povo que parecia correr contra o tempo, enquanto contava cada segundo do meu, na ociosa tarefa de cumprir o repouso necessário. A vida é tão urgente!

No carro de som que subia lentamente, um anúncio fúnebre do velório do dono do Supermercado, seguido da propaganda de Seguro de Vida. Não parece convidativo? 

Uma sineta tocada anuncia o gás que agora custa 100 reais? Outro dia não era nem 60. Onde foi que parei de contar?

O menino empurra a bicicleta; o estudante carrega a mochila pesada; o professor de uniforme azul com uma cesta de bolas na mão...

E um idoso, que com seus 86 anos, rega as flores do jardim. E rindo, acaricia as folhas, lavando-as, uma a uma, e buscando a água nos fundos da casa para repor no pequeno reservatório. Ele deu umas seis viagens e continua feliz, sorridente e disposto. O tempo do Seu Arthur parece-me tão precioso! Nem parece que vivemos no mesmo lugar, na mesma rua. Os apressados comem cru, e eu ainda sou um deles... Ficar de molho tem suas vantagens... Eu devia viver de prioridades!

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 09/03/2022
Código do texto: T7468982
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