Minhas férias

Penso que nenhum estudante do ensino fundamental escapou do título acima nas redações obrigatórias de início do ano escolar. Provavelmente, uma boa parte das narrativas relacionava-se às férias passadas em fazendas de parentes ou amigos, sobretudo no interior, onde a ligação com o meio rural era significativa.

Os relatos concentravam-se nos passeios a cavalo, nos banhos de cachoeira, na gostosa comida feita no fogão a lenha e nos namoros efêmeros. A memória afetiva conservou e se deixou levar, anos afora, por essas recordações. Paixões, lembranças e descobertas povoaram — e ainda povoam — os textos produzidos. Parece, entretanto, que essa referência temática vai entrando em declínio diante da urbanização acelerada da vida social e das inevitáveis transformações socioeconômicas em curso.

Nas idas à fazenda do meu avô, me recordo da quantidade de pacotes, sacolas e objetos diversos. Era muita coisa, mesmo que fôssemos ficar apenas um final de semana. Pensando bem, com a devida distância no tempo, dava dó da minha mãe: cabia a ela separar, organizar e guardar roupas, botinas, alimentos, querosene, vela, esparadrapo etc. O volume da bagagem indicava que passaríamos, no mínimo, um mês na fazenda. Um dia, meu irmão caçula ficou para trás. Quando meus pais se lembraram, estavam quase saindo da cidade e tiveram de voltar, apavorados com o esquecimento.

Já adolescentes, meu irmão e eu ganhamos autonomia para irmos sozinhos à fazenda. Naquele tempo, a eletricidade já tinha dado as caras. Meu avô vinha nos buscar e saíamos bem cedo, escuro ainda, curtindo o frio da madrugada na carroceria de uma velha camionete. Na tralha que levávamos não faltava pão sovado, baralho, livros, chapéu e uma muda de roupas. Certa vez, como não nos agradasse a programação das estações de rádio — e indiferentes em relação ao tamanho da bagagem —, resolvemos levar um toca-discos portátil. Queríamos escutar o Milton, o Chico, o Vandré, o Gil, o Caetano, o Bob Dylan, a Joan Baez e outros artistas de nossa preferência. À noite, na varanda, escutávamos música, conversámos e líamos bastante.

Tenho certeza de que não incomodávamos ninguém, nem bicho nem gente. O som alcançava poucos metros, não indo além do limite tênue da luz. Penso nisso quando me deparo com recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que identifica alguns problemas ambientais atuais (fevereiro de 2022). Segundo o documento, a poluição sonora nas cidades é uma ameaça à saúde pública. Som alto e constante prejudica a saúde, acarretando “irritação crônica e distúrbios do sono, resultando em doenças cardíacas e distúrbios metabólicos graves, como diabetes, deficiência auditiva e saúde mental mais comprometida”.

Tenho boas recordações daquele tempo. Certas canções entraram para a história, sem se perderem os sons suaves daquelas noites guardadas na memória. Hoje, quem não tira férias são os ruídos que nos cercam, insensatos e insanos. Um flagelo!

Para ter acesso ao Relatório completo, clicar aqui: https://www.unep.org/pt-br/resources/fronteiras-2022-barulho-chamas-e-descompasso