UMA HISTÓRIA NA PALMA DA MÃO
Você já ouviu falar no microconto? Também conhecido como miniconto ou nanoconto, o microconto é um conto contado de maneira minimalista, ou seja, um conto menor que um conto pequeno cuja proposta seja a de deixar ao leitor continuar o mesmo a função de mentalmente “preenchê-lo” ou deduzir a história oculta na história.
Para que seja um microconto é necessário que ele seja construído em até 150 caracteres, ou se preferirem, mais pós modernamente falando, possa ser tuitado. O mais célebre microconto pertence ao guatemalteco Augusto Monterrso e foi feito com 37 letras: “quando acordou o dinossauro ainda estava lá”. E este nem é o menor dos contos, visto que outro famoso miniconto foi escrito pelo escritor americano Ernest Hemingway: “vende-se: sapatos de bebê, sem uso” (26 letras).
O microconto é uma espécie de leitura em alta velocidade onde se enxuga o excesso de palavras e nas poucas palavras restantes o essencial de uma história é contado. Tais prosas miniaturizadas cabem num caixa de fósforo. E nesta qualidade minimalista é que reside o grande desafio do escritor: em pouquíssimas palavras uma história inteira.
Analogamente na poesia temos o haikai que privilegia a concisão, o laconismo, o sucinto e o objetivo. Um haikai tem três versos dispostos verticalmente, e na sua forma curta e compacta revela a sensibilidade poética em seu olhar agudo e ferino sobre a essência das coisas, da natureza e da vida. Tanto com o haikai quanto com o microconto o autor brinca com as palavras, seus conteúdos, sentidos e significados. E nessa forma um tanto irônica e lúdica se constrói lindas imagens e frases poéticas, como podemos ver quase apalpando neste haikai de Paulo Leminski: “viver é superdifícil/o mais fundo/está sempre na superfície”, ou neste de Mário Quintana: “diálogo bobo/-abandonou-te? /-pior ainda: esqueceu-me...”.
O microconto coloca o leitor em um lugar de cúmplice, visto que, como o objetivo do texto é sugerir, cabe a quem o ler “preencher” suas lacunas e continuar mentalmente a história. O que diferencia exatamente o microconto do haikai e dos aforismos é a existência de uma história. Neste ponto podemos dizer que um microconto é mais do que um conto breve e incompleto, mas sim uma abertura que cabe ao leitor continuar.
E assim, vários autores ao longo do tempo já experimentaram e já “brincaram” com o microconto. Abaixo alguns exemplos:
“Eu ainda faço café para dois” (Zac Nelson)
“Uma gaiola saiu à procura de um pássaro.” (Kafka)
“Encontrou o amor verdadeiro nove meses depois” (Jody Smith)
“Um homem, em Monte Carlo, vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa, se suicida.” (Tchekhov)
“...cheguei. E ela não deixou sequer um bilhete” (Joaquim Cesário de Mello)
“A velha insônia tossiu três da manhã” (Dalton Trevisan)
“y despues de hacer todo lo que hacen, se levantan, se bañan, se estalcan, se perfum, de peiñan, se visten, y asi progressivamente van volvendo a ser lo que son” (Julio Cortázar)