GILKA MACHADO

A EROTICIDADE EM GILKA MACHADO

Nelson Marzullo Tangerini

Achar que a Semana de Arte Moderna de 1922 seria “o marco zero” da extensa literatura brasileira é de uma leviandade muito grande.

Nada irá destruir a literatura que foi produzida antes daquele evento. Os modernistas se enganaram: não havia pluralidade moderníssima alguma. Até porque o futurista Marinetti, que inspirou alguns intelectuais da Semana, era fascista e batia continência para o ditador Mussolini. Entre esses Modernistas havia poetas e escritores integralistas, que não escondiam seu amor pelo Duce.

Embora as mulheres tenham sido acolhidas pelos Modernistas, o que foi um gesto revolucionário para a época, elas já vinham, há muito tempo, produzindo literatura de qualidade. E muitas delas chutaram a porta do Clube do Bolinha, como foi o caso de Maria Firmina, Auta de Souza e Gilka Machado.

Foi minha mãe quem primeiro me falou, em casa, sobre os sonetos e poemas de Auta de Souza (romântica) e Gilka Machado (simbolista). Dinah, inclusive, foi amiga da atriz Eros Volúsia, filha de Gilka.

Mais tarde, frequentando o IPCN, Instituto de Pesquisas de Culturas Negras, vim a tomar conhecimento, também, de Maria Firmina.

Gilka da Costa de Melo Machado, mais conhecida como Gilka Machado, nasceu no Rio de Janeiro a 12 de março de 1893.

Foi uma poeta que desempenhou papel fundamental na luta pela emancipação feminina. Além de ficar conhecida como uma das primeiras poetas a escrever poesia erótica no Brasil, Gilka Machado foi uma das fundadoras, em 1910, do Partido Republicano Feminino, que defendia o direito das mulheres ao voto. Naquele partido, Gilka atuou, também, como tesoureira.

Nos sonetos abaixo, temos um pouco de sua verve e de seu pensamento avançado para a época:

“SER MULHER

Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada

para os gozos da vida, a liberdade e o amor,

tentar da glória a etérea e altívola escalada,

na eterna aspiração de um sonho superior...

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada

para poder, com ela, o infinito transpor,

sentir a vida triste, insípida, isolada,

buscar um companheiro e encontrar um Senhor...

Ser mulher, calcular todo o infinito curto

para a larga expansão do desejado surto,

no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...

Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!

ficar na vida qual uma águia inerte, presa

nos pesados grilhões dos preceitos sociais!”

***

“SENSUAL

Quando, longe de ti, solitária, medito

neste afeto pagão que envergonhada oculto,

vem-me às narinas, logo, o perfume esquisito

que o teu corpo desprende e há no teu próprio vulto.

A febril confissão deste afeto infinito

há muito que, medrosa, em meus lábios sepulto,

pois teu lascivo olhar em mim pregado, fito,

à minha castidade é como que um insulto.

Se acaso te achas longe, a colossal barreira

dos protestos que, outrora, eu fizera a mim mesma

de orgulhosa virtude, erige-se altaneira.

Mas, se estás ao meu lado, a barreira desaba,

e sinto da volúpia a viscosa e fria lesma

minha carne poluir com repugnante baba…”

Autora dos livros “Crystaes”, de 1915, “A revelação dos perfumes”, de 1916, “Estado da alma”, de 1917, “Poesias (1915 – 1917)” e “Gilka Machado: Poesia Completa”, de 1978, a autora é agraciada, em 1979, com o “Prêmio Machado de Assis”.

No ano seguinte, 1980, Gilka faleceria no Rio de Janeiro, aos 87 anos.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 08/03/2022
Código do texto: T7467877
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