Consciência e Liberdade!

Embora escravo, eu jamais renunciara à luta pela minha liberdade. Passava os meus dias pensando e arquitetando planos que me permitissem fugir e ganhar o mundo livre.

No Império Romano, e acredito que esta era a realidade em todo lugar, um escravo era visto apenas como força de trabalho para o desenvolvimento produtivo de riquezas. Havia escravos de toda sorte: havia os escravos prisioneiros de guerra vendidos no mercado como despojo das guerras de conquistas; havia também os que eram escravos por terem sido julgados e condenados em decorrência de práticas delituosas contra o Estado ou contra os cidadãos romanos; havia também escravos que viviam essa condição por se constituírem garantia de pagamento de dívidas. Neste caso específico, não era incomum pais venderem os próprios filhos para quitação de dívidas contraídas no comércio.

No meu caso, eu era escravo na casa de Filemon por ter sido comprado no mercado de escravos como despojo de guerra pois, sendo grego, e o meu próprio nome denunciava a minha nacionalidade grega, fora aprisionado pelo exército Romano que ocupou todas as ilhas marítimas gregas da costa da Frígia, no Mar Egeu, região à qual pertencia a cidade de Colossos.

Houve um tempo em que, na casa do meu senhor, as condições de trabalho e o tratamento dispensado aos escravos eram muito mais severas. Mas, as coisas mudaram desde que Filemon teve contato com os ensinamentos de um tal de Paulo, chamado apóstolo de Jesus Cristo por meio de Epafras que estivera pessoalmente com esse apóstolo quando da sua estadia em Éfeso, cidade importante da Frígia e do eixo comercial que abastecia as colônias do Império Romano na Capadócia, Frígia, Pisídia, Panfília e Macedônia.

O meu senhor parecia ter sofrido uma grande transformação interior, a ponto de tratar com mais humanidade os seus escravos, diferentemente de outros senhores de escravos que eram cruéis e impiedosos. Como eu trabalhava no interior da casa de Filemon e não no campo, um dia ouvi Epafras dizendo para ele que, de acordo com o ensino do apóstolo Paulo, os novos convertidos ao Evangelho deveriam tratar os escravos com temor e tremor, abandonando as ameaças porque o Senhor dos cristãos que habita os céus, não admite a existência da discriminação social entre escravos ou libertos, homens ou mulheres.

Foi este o meu primeiro contato com o Evangelho de Jesus Cristo, ou seja, a transformação da vida do meu senhor. Mas, a verdade era que, independentemente da transformação do meu patrão, eu ainda continuava escravo e queria a minha liberdade.

Por outro lado, eu sabia que Filemon dificilmente libertaria a todos para não incorrer na reprovação da sociedade escravagista da época. Por isso, aproveitando-me da situação que exercia forte influência sobre o meu patrão, resolvi fugir. A questão era, COMO fugir, sem dinheiro? E outro problema era PARA ONDE fugir?

Se eu fugisse, mas ficasse por perto, correria o risco de ser encontrado pelas patrulhas que prestavam serviços aos senhores de escravos e que se tornaram conhecidas séculos depois no Brasil, como os "capitães do mato". Eu precisava fugir para bem longe dali e, na minha cabeça o melhor lugar para me esconder seria em uma cidade grande, onde eu pudesse ficar escondido no meio da multidão, sem despertar suspeitas.

Comecei a traçar o meu plano de fuga e o destino escolhido foi a capital do Império, a grande e gloriosa Roma!

E foi assim que, em determinado dia, longe da vista de todos, à noite, furtei alguns pertences valiosos da casa do meu senhor, escondi-os no interior da minha vestimenta e do manto que usava para me abrigar do frio e fugi em direção a Mileto, cidade portuária da Frígia, onde embarquei no primeiro navio adramitino que havia ancorado para descarregar alguma carga e logo zarparia para o destino que eu havia escolhido como rota de fuga - a gloriosa Roma, capital do Império

Em Roma, procurei me juntar àqueles cristãos que, à semelhança do que acontecia em Colossos, se ajudavam mutuamente. Descobri que um grupo de cristãos estava se reunindo em uma certa residência, e para lá me dirigi.

Fiquei surpreso e temeroso, pois, ao chegar na casa percebi um soldado romano postado à porta e logo descobri que ele estava ali por determinação da Justiça. Para minha surpresa, conversando com um e com outro, soube que o inquilino era prisioneiro de Roma e se chamava Paulo, o apóstolo conhecido de Epafras.

Visitei o lugar muitas vezes durante cerca de dois anos. Ouvi os ensinamentos de Paulo e fui convencido pelas Escrituras a me tornar também um cristão. Ora, como poderia eu, agora cristão, reparar o erro que cometi com Filemon trazendo-lhe o prejuízo patrimonial com a minha fuga, bem como o prejuízo causado pelo furto cometido?

Foi quando procurei o apóstolo para receber dele conselhos que minimizassem o meu dilema de consciência. O que fazer? Continuar livre mas com um peso enorme na consciência? Ou aliviar o peso na minha consciência retornando ao meu antigo senhor e perder a Liberdade tão sonhada?

O que você faria em meu lugar?

Não precisei expor toda a confusão em que me envolvera, para que o apóstolo se pusesse a escrever uma carta a Filemon, cujos termos incluíam o meu retorno a Colossos tendo por objetivo a reparação parcial do prejuízo que eu lhe causara com a minha fuga, além da restituição do que havia sido furtado da casa do meu senhor.

O que eu não esperava, era que o apóstolo demonstrasse o verdadeiro caráter de um cristão tomando para si a responsabilidade de me defender da tempestade que estava se formando sobre a minha cabeça e ao redor do meu pescoço. Ele bem sabia que a pena para um escravo fugitivo, no caso, com o agravante do furto, seria a morte certa. Assim funcionava a justiça do Direito Romano com o intuito de inibir qualquer iniciativa de fuga por parte dos escravos.

Por esta razão, sem omitir a minha responsabilidade e respeitando a decisão que Filemon viesse tomar sobre mim, o apóstolo redigiu a carta que, na verdade, era mais uma peça jurídica da minha defesa do que uma correspondência entre amigos.

E não é assim que deveria sempre ser na relação entre pessoas comprometidas com a misericórdia, com a compaixão e com o amor dedicado aos seus semelhantes?

Não foi exatamente isto que Jesus ensinou ao dizer:

"Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus?"

Diante do que li na carta e diante da incumbência de entregá-la pessoalmente a Filemon, o meu coração estava temeroso, confesso, mas ao mesmo tempo, estava leve e preparado para aceitar o que viesse a ocorrer comigo em Colossos quando eu me apresentasse, arrependido e transformado pelos ensinamentos de Jesus de Nazaré, ao meu antigo patrão.

Preciso interromper esta narrativa por aqui. Estou atrasado para o embarque no navio que me levará de volta a Mileto, de onde prosseguirei a viagem até Colossos para enfrentar as consequências dos meus atos.

Sabe, meu amigo. O caminho de volta pode ser o mais difícil, o mais espinhoso e o mais desencorajador, no entanto, é o único caminho para a completa restauração.

Mas, sobre isso falaremos na próxima semana. Você saberá como foi o meu encontro com o meu ex-patrão e senhor de escravos.

Você me acompanha?

Então, até lá!

Deus te abençoe!

Pr. Oniel Prado

Verão de 2022

06/03/2022

Brasília, DF

Oniel Prado
Enviado por Oniel Prado em 07/03/2022
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