Eu vi o fim e voltei

Estava tão escuro quando eu abri os olhos, com dificuldade como seu eu tivesse sofrido um golpe na cabeça, me levantei e tentei equilibrar-me com minhas pernas que tremiam em fraqueza.

Predominava um silêncio absoluto que eu conseguia escutar o meu próprio coração batendo; meu coração... tinha algo errado com ele, parecia que a cada batida ficava mais fraco, mais...morto. Em alguns instantes comecei a sentir um aperto no peito muito forte.

Apesar da dor eu me concentrei no ambiente ao meu redor, mas não havia nada, apenas escuridão e uma fraca névoa no chão. Cambaleando como se estivesse aprendendo a andar, eu dei alguns passos curtos então parei ao sentir o chão sob meus pés, a sensação era de andar sobre a água, mas ainda assim não fazia barulho algum. O silêncio ainda me observava.

Fiquei alguns segundos encarando a névoa, então lentamente ergui minhas mãos em frente ao meu corpo e minha expressão mudou de calma para uma mistura de surpresa e receio, minhas mãos estavam desaparecendo, lentamente seguindo para meus braços. O que aconteceria comigo quando não sobrasse mais nada?

Eu observei novamente aquela escuridão profunda, embora fosse um vazio interminável, não tive medo. Pelo contrário, era tão calmo, com uma serenidade reconfortante. Bom, pelo menos para mim. Sempre me perguntei se essa sensação de paz e solidão, que aliás eu não sentia fazia muito tempo, fosse agradável só para mim. O que me incomodava, era não saber o que estava acontecendo.

Procurei em minha mente qualquer vestígio de memória, mas não encontrei nada. A única coisa que eu sabia era quem eu era. Isso estava me frustrando, não consigo me manter totalmente confortável quando tem algo que ainda não entendo.

Então fiz a única coisa que poderia fazer, comecei uma caminhada sem rumo pelo meio da escuridão em busca de respostas. Meu corpo já tinha se adaptado àquele mundo, depois de alguns eternos minutos andando eu escutei antes de perceber um barulho breve que ecoou por aquele lugar vazio como um chamado acompanhado de uma luz branca que oscilava como a chama de uma vela.

O som vinha de trás, virei a cabeça antes do corpo na direção da luz, mas não conseguia distinguir perfeitamente o que era. Assim, eu calmamente fui em sua direção.

Me aproximando, percebi que na luz agora mais fraca e constante passava vários flashes de cenas distintas. Precisei de alguns poucos instantes para lembrar-me de que essas cenas...eram minha vida. Toda minha vida desde meu nascimento até a atualidade estava passando em curtos momentos. Não reconheci as pessoas que estavam comigo, mesmo assim um sorriso fraco abriu-se em meu rosto, pois eu parecia feliz nos curtos momentos que pude ver.

Até que a luz começou a oscilar violentamente e não era mais possível distinguir o que se passava, aquele brilho claro e agradável estava assumindo uma forma e cor estranha e fazia um barulho agonizante como se estivesse sofrendo. Aquele ruído estava começando a ficar cada vez mais alto. Cheguei a tampar meus ouvidos pois aquilo se tornou insuportável. Repentinamente tudo havia sumido, o barulho, a luz, e os flashes. E novamente a escuridão retornou, porém de uma forma mais obscura.

Momentos depois comecei a ouvir vozes, várias vozes diferentes e desesperadas gritando ordens como “vamos! Respire! ” “Reaja! ”. Elas vinham de todo lugar, como autofalantes ao meu redor. Essas pessoas pareciam estar com medo, eu queria ajudar, mas novamente... não entendia.

As vozes foram ficando constantes e altas gritando coisas parecidas uma seguida da outra, até que outro som se uniu a elas. Uma sirene. E junto com ela, pude escutar uma voz que me despertou, familiar. Então como um choque eu finalmente... entendi, entendi o que estava acontecendo.

Eu estava morrendo.

Uma onda de lembranças me acertou com tudo, várias memórias vieram à tona em minha mente e eu reconheci aquela voz que se destacava e que expressava um medo diferente das outras.

Entrei em desespero, queria voltar para minha vida, para as pessoas que agora lembrei.

Uma luz mais forte irradiou aquela escuridão e brilhava intensamente como se dissesse “vamos! Você não tem tempo, vamos! “. Sem hesitar eu corri em sua direção, corri usando toda minha energia como se não houvesse amanhã. A luz foi me consumindo e então... me levantei ofegante com os olhos arregalados da maca que estava e em um segundo todos os sons se tornaram perceptíveis a mim, principalmente a sirene da ambulância que corria em alta velocidade. Observei todos ao meu redor ainda em aflição.

Havia entendido o que tinha ocorrido perfeitamente, eu vi o fim e voltei.

Lanka
Enviado por Lanka em 07/03/2022
Código do texto: T7467519
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