UMA GRANDE MULHER

Morávamos em São Martinho, distrito do município de Rolândia, Norte do Paraná. Lugar de gente trabalhadeira e formadora de grandes famílias. Núcleos familiares que se movimentavam com as dificuldades e oportunidades da época. Coisa de gente que não desiste ante as intempéries ou obstáculos. Na lavoura, predominava a cafeicultura, mas o solo era tão rico, que na terra roxa tudo se plantava, seguindo à risca as informações de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal. Ali aportaram espanhóis, italianos, portugueses e toda gente que quis plantar esperanças. Volta e meia uma geada queimava as plantações, atrás dela o rescaldo no comércio, na lavoura, na pecuária, na vida de todos. Não havia um jeito de fugir do inevitável, portanto, a luta era renhida. Todavia, isso não fazia com que o povo fosse infeliz. Gente generosa e animada, gente muito gente mesmo.

Meu pai tinha comércio de secos e molhados, como se dizia, uma venda. Dela tirava o sustento da grande família, nove filhos. Nada sobejava na casa, a não ser muito amor, alegria e trabalho. Características essas de todas as famílias da localidade. Famílias que iam se entrelaçando e juntando afetos. Muita consideração uns pelos outros. Casamentos uniam sobrenomes e os parentes aumentavam. Quem não era parente era amigo.

Atrás da venda, nossa moradia grudada no salão de comércio. Um lar. Gerenciando a residência, a mãe. Exímia economista, administradora, psicóloga, orientadora, enfermeira, costureira, cozinheira, lavadeira, tintureira, padeira, curandeira, benzedeira de todos nós. Em banco escolar, jamais se sentara. Trabalhadeira, como convinha a todas as mulheres de então. Sorriso sempre presente, olhos vivos, alma e coração a toda e qualquer prova. Era tempo de luta, mas ternura era essencial.

Eu, a caçula. Peguei as vacas já com alguma gordura no lombo. Não nadávamos de braçada, mas já podíamos levantar a cabeça um pouquinho acima das barrancas. Os mais velhos foram se casando, cedendo espaços nos quartos de dormir. Nós, os últimos, até podíamos frequentar o ginásio... luxo escolar adquirido com o passar do tempo.

Década de sessenta, veio a moda das calças Lee. Para os jovens, o máximo em vestimenta! Eu não fiquei atrás no desejo de me engalanar com uma delas, as calças dos sonhos. _Como? Elas vêm dos Estados Unidos, menina! A mãe me alertou...

Engoli a vontade, que para o impossível não havia choro.

Novembro, mês de aniversário... Sobre a cama, o pacote. Laço desfeito com cuidado...

_ Mãe!? Mas elas não vêm dos Estados Unidos?

_ Ara, filha, eu encomendei à fulana, ela providenciou. A mesma moça, que trouxe aquela blusa peluda e quentinha, com pompons.

Dona Anna, a grande administradora financeira, malabarista entre amor e pouco rendimento, promotora da felicidade a cada filho. Sim, distribuía carinho... Uma grande mulher!

Dalva Molina Mansano

Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 07/03/2022
Reeditado em 07/03/2022
Código do texto: T7467456
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