Como Enfrentar as Pressões do Trabalho
É muito frequente amigos relatarem a estafa oriunda do cotidiano coisificante dos afazeres trabalhistas: perdem o prazer naquilo que fazem, argumentam constantemente sobre a possibilidade de mudarem de profissão e que estão desencantados com a função que exercem. Pior do que isso, muitos colegas de profissão alegam com os olhares baixos, com os ânimos esfacelados que suas vidas emotivas estão estilhaçadas pela pressão do trabalho. E acreditem se quiser, ouço tudo isso tanto na iniciativa privada como de trabalhadores de repartições públicas - a tão sonhada estabilidade empregatícia não é sólido baluarte para amenizar as perturbações psíquicas.
Nessa situação, muitos questionam-me o que faço, como ajo diante de toda essa carga de problemas enfrentada todos os dias. E por um acaso, lendo um grande romancista russo identifico o que não devemos seguir ao se deparar com tal situação. Sem dúvidas, a literatura é uma ferramenta terapêutica muito eficaz para as maledicências humanas. E nesse sentido refiro-me ao texto "O Capote", de autoria de Nicolai Gogol.
Em um brilhante tom de sarcasmo e ironia típica do realismo russo do século XIX, o autor descreve a vida do personagem Akaki Akakiévitch, um funcionário público extremamente dedicado ao trabalho e solitário na vida particular. Apesar de sua pontualidade em executar suas atividades, em ficar pensando excessivamente sobre elas já estando em sua casa após o horário de serviço, esse pequeno burocrata era simplesmente ignorado pelos colegas de profissão. Era um funcionário padrão, cumpria as tarefas sem questionar, com presteza, mas servia de zombaria aos que estavam ao seu redor.
O que chamou atenção nesse conto foi a ilusão que Akaki criou para si próprio: apesar dos insultos e dificuldades que sofria era fundamental uma extrema dedicação ao trabalho (pensando sobre isso até fora do horário de serviço, perdendo horas de sua vida privada ao planejar suas atividades). Entretanto, o mesmo se envolve num sério problema (o qual não irei relatar para incentivar a leitura do texto) e percebe que toda essa dedicação de nada serviu para influenciar pessoas e instituições para resolver aquilo que o incomodava. E mais, no final trágico dessa história, ele constata o quanto sua existência foi inútil ao não saborear as delicias da vida em detrimento da dedicação laboral.
Eu sugiro que devemos ser o "anti-Akaki" em nossas vidas profissionais. Não que eu esteja aqui incentivando uma rebelião contra o trabalho, de não se dedicar as nossas obrigações, muito pelo contrário. O que sugiro é a clara separação da esfera laboral e privada para que uma não interfira na boa vivência da outra. É fundamental acabarmos com o ócio criativo: utilizar os finais de semana, as horas que poderiam ser para lazer para planejar (seja da forma como for) aquilo que será feito na segunda feira. Devemos cumprir o máximo dos afazeres no próprio local de trabalho, levarmos o mínimo de obrigações para serem feitas no aconchego do lar. Utilizar algumas horas para a procrastinação - vivenciar situações que dão prazer. E quando sair da instituição que atua desenvolver como mantra cotidiano o seguinte dizer: aqui ficou o trabalho, não vou pensar sobre ele no meu final de semana, segunda eu retomo ao que devo fazer.
É por isso que nos finais de semana vou jogar vídeo game para "desestressar a cabeça". Eu saio pela cidade sem compromisso de hora para tomar álcool. Ao chegar a noite em casa tomo um vinho ou organizo-me para em todos os feriados viajar - respirar novos ares, arejar a mente e quebrar a cela coisificante do dia a dia. Evito ao máximo pensar em trabalho em momentos como esse. Eu costumo até afirmar que esqueço de minha profissão quando viajo ou estou nos meus finais de semana.
No domingo fico em preguiça total e a preocupação é só em deliciar aquela "refeição rechonchuda" junto com a família. Enfim, que cada um desenvolva sua "rota de contentamento pessoal", a qual sirva de esteio às pressões sofridas nas relações trabalhistas. E assim possamos chegar num certo momento e afirmar ao contrário de Akaki: apesar de toda dificuldade eu aproveito minha vida, amenizo as pressões do cotidiano com afazeres ou pessoas que trazem-me prazer e renovam-me para enfrentar as segundas-feiras que virão.
27.02.2017