SER E NÃO SER
Quando o livro de Unamuno caiu às minhas mãos, eu me encontrava numa sala de aeroporto à espera de uns amigos que chegavam do exterior. Na introdução aos três contos, o autor abordava a questão da criação da personagem, com o que eu vinha me ocupando naqueles dias. A personagem, dentro da mente do autor, deveria começar como uma semente, que poderia germinar ou não, como acontece na Natureza. Deveria ter um elemento do ser e um do não ser. Eram novelas e exemplares e um prólogo; exemplares como as de Cervantes, depois do Quixote. Pelo que o autor dizia, essa exemplaridade de Cervantes seria mais estética que moral; buscaria alguma recreação ao espírito fatigado pela lida diária, com o que discordamos; o espírito necessita mais de ação do que de recreação.
Há os que querem ser e os que querem não ser, sejam de carne e osso ou ficção romanesca. Segundo Unamuno, há os heróis do querer não ser e uma diferença entre o querer ser e o querer não ser. Seriam quatro as posições: a) querer ser; b) querer não ser (ambas positivas); c) não querer ser; d) não querer não ser (ambas negativas). Segundo o autor, para se criar a personagem deveríamos estar enquadrados nos dois primeiros casos: querer ser e querer não ser. Ser e não ser, eis a questão.
O homem real, ou o personagem ideal, é o que quer ser e o que quer não ser, o verdadeiro criador. Esse homem sonhador e criador, fazedor de verdadeiras tragédias, que compreende que o sonho é vida, realidade, drama, espera o sucessor dele mesmo, que quer ser e não ser. Acaso o leitor não pretende deixar de ser o que é para ser algo ou alguém melhor? Acaso nunca sentiu a necessidade de mudar a própria vida? Quem é essa personagem, que todo o criador busca, e cuja semente mental, e adormecida, tantas vezes germinou depois de anos de silêncio? Quem é este incógnito, herdeiro do grande gênio criador, adormecido nas profundezas da alma, esperando o toque mágico, o sopro de vida para despertar ao ser e ao não ser?
Pois estávamos ali, estupefatos e desencontrados com as reflexões mencionadas. Víamos Unamuno e Cervantes, e moinhos de vento, e as sete virtudes e os sete pecados capitais, e Sancho, que mais parecia ter sido criado por si próprio, e a conclusão unamoniana que todos carregamos as sete virtudes e os sete vício opostos, e a tragicômica conclusão de que a leitura servisse para matar o tempo, e que nos levasse, ao final, a matar a eternidade.
Veio-nos, então, à mente o axioma que sintetiza a Lei Universal e aponta para as mudanças com a qual havíamos tomado contato há anos, lendo uma conferência pronunciada em quarenta e um por González Pecotche, em Montevidéu: “deixe de ser o que você tem sido se pretende chegar a ser o que você aspira”.
Era como se cada qual pudesse tomar a si próprio como personagem ou obra de arte, e realizasse uma reconstrução, a partir da eliminação daquilo que estivesse afeando aquela figura primária, que pretendia ser algo melhor e maior.
Ser e não ser. Eis a questão.
Nagib Anderáos Neto