Vende-se

Numa coisa concordamos: o país vive uma grave crise, não é? Pensando nisso, tenho uma revelação a fazer: eu encontrei a solução. Não sou mágico nem candidato a nada, mas, depois de muito quebrar a cabeça – foram dias e dias sem dormir direito –, achei a resposta para os nossos males. Antes de entrar no assunto, devo esclarecer que não pretendo tirar vantagens financeiras nem espero reconhecimento público; passei da idade dessas coisas. Se ainda der tempo, meu interesse é o bem-estar da população, meu objetivo é encontrar a salvação.

Bastou ler alguns livros de história e o remédio apareceu na minha frente, cristalino, transparente. Tive de retroceder uns anos, até o século XVI, mas essa volta ao passado tem sido tão comum hoje em dia, não é? Voltei aos tempos da colônia, da retirada do pau-brasil, das grandes plantations, das epopeias agrícolas que encheram de orgulho os velhos coronéis da Guarda Nacional. Voltei ao tempo das imensas lavouras a perder de vista, dos cafezais domando os morros e do boi desbravando o sertão. A resposta estava ali, para quem quisesse ver.

Vamos vender o Brasil! Sim, nada de pruridos ou surtos nacionalistas. Vamos enfrentar a dura realidade: não temos mais dinheiro. Acabou a festa. Sempre vendemos tudo, por que o espanto? Toda autoridade de plantão vem com essa conversa de vender nossas coisas. E o que fazemos? Uma parte protesta, outra se cala. Quem cala consente, de acordo? Vamos vender tudo: as matas, os animais, as águas, as rochas, as riquezas do país. Não que a gente já não faça isso, mas, vamos encarar de vez: é pra vender tudo, liquidar!

Enviaremos uma delegação a Londres ou a Nova York e providenciaremos um grande leilão: “Vende-se um país!”, de porteira fechada. Vamos entregar até nossas casas, hospitais, escolas etc. Assim, nos livramos de gastar verba pública com saúde, educação, segurança pública e essa baboseira toda. Ao vender, a responsabilidade passa a ser de quem comprou. Que se vire! Aqueles que quiserem ficar aqui, que negociem um aluguel, reivindiquem um plano de saúde, cidadania estrangeira, visto permanente e essas burocracias todas.

Vamos nos acostumar bem rápido, afinal, muita coisa já foi vendida: ouro, minério de ferro, soja, café, carne, frutas, madeira de lei, companhias elétricas e de telefonia etc. Provavelmente, teremos de trabalhar o dobro para viver com decência, mas vamos nos livrar da conservação do patrimônio.

Talvez tenhamos também de aprender uma nova língua, mas não será difícil, brasileiro se adapta bem a circunstâncias extremas. Pensem em tudo o que já passamos. Vai ser bolinho. Podemos negociar umas cláusulas pétreas, por exemplo: o direito de continuar frequentando nossas praias… Opa! As praias deles. O direito de comer arroz com feijão, uma feijoada aos sábados, tomar uma cachacinha no boteco… Ih, vendemos os botecos também?