Invasão

 

 

 

Enquanto absorta em suas preces, ela pedia, em pensamentos, mil e uma coisas à Nossa Senhora, cumpria mais um dos seus muitos rituais diários, ou seja, caminhava no entorno do conjunto habitacional onde residia.

Distraída que ia, assustou-se com um lagarto imenso cruzando o seu caminho. Ou não seria tão imenso assim? Bem, não importa, ele era grande sim, o suficiente para amedrontá-la.

O interessante é que ele surgiu de repente e, mais do que de repente ainda, ele sumiu no mato. No entanto, ainda com as pernas trêmulas e o coração a bater descompassadamente, o seu olhar continuava a perscrutar ao redor, em busca de outros possíveis animais peçonhentos, que, porventura, estivessem invadindo o seu espaço. Quem sabe até um ataque do bicho que vira ainda pouco.

Rapidamente buscou na memória os tipos de animais e insetos que já vira por ali, mas nada se comparava àquele lagarto. Na verdade, parecia mais um jacaré, no entanto era verde, e a boca não era comprida. Olhou ao redor em busca de alguma ajuda, contudo era cedo ainda. O silencio, portanto, após o terrível encontro, voltara a reinar.

Embora continuasse a sua caminhada, não conseguia esquecer o réptil. E olha que ela se sentia até corajosa, pois não tinha medo de sapo nem de aranha caranguejeira – só de rã –, tão comuns por ali! Mas aquele lagarto esquisito...

Buscando justificativas para a presença do animal naquele local, e pelo itinerário que ele fez – indo no sentido das casas –, questionou-se se seria a seca desses últimos tempos a responsável pelo êxodo desses animais para as áreas urbanas, à procura de alimentos, ou se seria ela um dos muitos invasores daquele habitat? Sim, pois era consciente de que, aos poucos, a população estava crescendo e, automaticamente, se alastrando nos espaços ao redor dos grandes centros, ocupando cada vez mais áreas antes naturais, cujo reduto até então era só dos animais.

Logicamente que, com a sua cadeia alimentar desestruturada pela ação humana, eles acabam invadindo outros espaços para a sua sobrevivência. Que vida cruel essa, hein?

Já um pouco mais calma, conseguiu rir de si mesma, com o tamanho susto que sofrera. Lembrou-se, de imediato, de outro episódio por que passara logo que viera morar por aquelas bandas. Desta feita, com uma cobra “jararaca com malha de cascavel”. Embora pequena, ficou apavorada à época. Durante muito tempo não deixava os filhos entrarem na própria casa, antes que fizesse uma busca criteriosa em tudo. Engraçado é que, nesses momentos de busca, o mínimo esbarrão de alguma coisa no corpo, era motivo de gritos e saltos mais altos do que a própria perna podia dar. Saía pisando em tudo pela frente.

Frescura? Não, com certeza! Pois, sempre que possível, procurou adaptar-se às novas situações! Paúra, sim!

De onde viera não tinha contato com certos animais ou insetos. Lagartixas brancas, inofensivas para humanos, eram um dos poucos bichos que costumava ver pelas paredes da casa. Ainda assim, nem tinha medo, tampouco as maltratava, pois eram tidas como animaizinhos amigos, que exterminavam os insetos.

Reconhecia o seu medo, sim, por alguns animais estranhos e desconhecidos seus; mas, com certeza, o pavor que o lagarto sentiu foi muito maior do que o seu, pois sumiu de um jeito que nunca mais o encontrou no seu caminho.

O indiscutível é que, cada vez mais, invadimos espaços alheios na natureza, e, por isso, sofremos as consequências dos nossos atos impensados. Em certos casos, nem sempre agradáveis aos nossos olhos...

Fique esperto!

Vanda Jacinto
Enviado por Vanda Jacinto em 06/03/2022
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