CORNÉLIO PIRES

UM CAIPIRA HIPOCONDRÍACO

Nelson Marzullo Tangerini

O Espeto era uma revista carioca de humor e sátira, onde Nestor Tangerini publicava seus textos com diversos pseudônimos: Conselheiro Armando Graça, Humberto dos Campos, José Oitiçoca, Malba Taclã, Benedito Mergo Lião (crônicas), Tangerini, T e Dom T (sonetos e trovas). Além disso, publicava, também, as suas curiosas caricaturas cubistas, assinando apenas Tangerini.

Ali, Aldo Cabral escrevia com o pseudônimo Jacinto Riso. E Lourival Reis, o Professô Zé Bacurau, escrevia suas crônicas e poesias em baianês, com já vimos em outra crônica.

O mesmo se dava com Maurício Marzullo, que publicava crônicas (com seu próprio nome ou com pseudônimos) e sonetos. Como cronista, publicou textos com os pseudônimos MM ou Cornélio Peres – alusão ao escritor e folclorista Cornélio Pires.

Na p. 7 da revista O Espeto, de 1º de maio de 1947, com o pseudônimo Cornélio Peres, é publicada, na supracitada revista, uma crônica de Maurício, que foi um dos leitores de Cornélio Pires:

“REGRESSO INESPERADO

Desconfiado, como todo capiria, o simplório, fazendeiro no interior de Minas, de tanto desconfiar, acabou por desconfiar que a sua saúde não estava lá muito boa.

Magro, de estatura mediana, terno de brim, cintadinho no corpo, sapatos marrons, de vaqueta, chapéu de palhinha de arroz, guarda chuva já surrado, cabelos grisalhos, olhinhos penetrantes, cavanhaque, e de idade pouco acima dos cinquenta, - eis o retrato do nosso amigo.

Pois bem. Tendo amealhado alguns cobres, aprontou, certo dia, o cavalo, despediu-se da mulher e dos filhos, como dos colonos, e cavalgou para a estação mais próxima, onde tomou um trem que o trouxe ao Rio.

Aqui chegando, instalou-se num hotel junto à gare da Central, descansou da viagem, conheceu a cidade e tratou de consultar um médico.

O facultativo, depois de acurado exame, concluiu que a doença do homenzinho não ia além de simples cismas. No entanto, para não desconcerta-lo, contando com o tempo para trata-lo de todo, disse-lhe:

- Você tem qualquer coisa na caixa torácica.

Ao que o matuto acudiu prontamente:

- Qual o que, “seu doutô”! O que eu tenho tá tudo na Caixa Econômica.

E voltou para Minas... “

Jornalista, escritor, folclorista, empresário, ativista cultural e importante etnólogo da cultura e do dialeto caipiras, Cornélio Pires nasceu em Tietê, SP, a 13 de julho de 1884.

Como jornalista, trabalhou nos jornais O Estado de S. Paulo e O Pirralho.

O pouco lembrado Cornélio Pires é autor de mais de 20 livros sobre essa valiosa pesquisa, que consumiu parte de sua vida de folclorista; entre eles, “Conversas ao pé do fogo”, “Dicionário Caipira” e “Sambas e cateretês”. Faleceu em São Paulo, Capital, a 17 de fevereiro de 1958.

Sua obra, repleta de brasilidade, se enquadraria na proposta Modernista de 1922. Ou foi um deslocado pré-Modernista, da corrente que abrigou Euclides da Cunha, Lima Barreto, Monteiro Lobato e Augusto dos Anjos? Parece, enfim, que sua obra passou despercebida pelo grupo dos Andrades.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 06/03/2022
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