O magrelinho
Era um gatinho magrinho, mas magrelinho de dar dó. Tinha uns olhinhos miudinhos, as costelinhas costuradas à pele, as patinhas à imagem de gravetinhos ressequidos. Nele tudo era diminuto, com exceção do bocejo. O bocejo era largo, cevado, adiposo. Contagiante. O bocejo mais fascinante, terno e saudável que eu já vi. Eu curtia aquele bocejo, e ainda o tenho para consumo próprio, guardado em meu coração.
O magrelinho era um gatinho suave, boa índole, ótimo ouvinte e principalmente dormidor. Costumava tirar cochilo no parapeito da boca-de-lobo da Cel. José Bezerra Montenegro, número zero, pontualmente, antes das 5h da manhã, em jejum. Só faltava em dia de chuva e aos domingos.
Nessas ocasiões, encantava-se. Mas não em definitivo, como agora. A partir de agora, sua ausência não será apenas aos domingos, mas permanente, para lamentação de toda a comunidade felina e matinal da Cel. José Bezerra Montenegro, número zero.
O magrelinho não merecia um fim tão trágico, tão abrupto, tão cruel e doloroso. Ele só queria atravessar a rua, ir de um lado a outro sem ser incomodado. Mas não sabia que a preferência, nas ruas e no trânsito, a preferência é dos automóveis. E então o nosso magrelinho teve esse fim tão trágico, tão abrupto, tão cruel e doloroso.
Lamentamos, porque sabemos que não mais veremos seu bocejo fascinante, seus olhinhos miudinhos, suas costelinhas costuradas à pele. Não sabemos o que dizer quando o homem do pão ou o leiteiro passar e perguntar onde anda seu principal cliente. Talvez apenas digamos que é porque é domingo, e aos domingos o magrelinho encanta-se.
Parece que, de agora em diante, nossa semana será constituída apenas por domingos.