Minhas rugas queridas
Com alegria e riso,
deixe as velhas rugas surgirem.
Shakespeare
1. Aniversario hoje e eis-me aqui inteirinho, apesar dos anos, e não são poucos, que já percorri. Se já tenho rugas? Tenho, sim. Por quê? Sou, sem retoques, os anos que vivi. Aos que se surpreendem com minhas rugas, respondo, citando Brigitte Bardot, que interpelada se tinha essas "marcas do tempo", respondeu: "Se aparentasse 30 anos, alguma coisa estaria errado. Eu tenho rugas, sim. E daí?". Foi sincera a mulher que num determinado momento de sua vida foi símbolo da beleza.
2. Nos últimos 5 de março, há sempre alguém a me perguntar quantas primaveras estou festejando. Minha resposta tem sido esta: não são primaveras, parceiro, são outonos. Estou com X anos. Não se assuste. Não nego minha idade. Nunca neguei.
Volto, então, a ouvir a mais deslavada das mentiras: "Oh! Como você está novo! Não parece ter essa idade!". Tem vez que recebo essa estranha observação como uma provocação ou simplesmente como uma piada. Mas sempre sorrindo.
3. Disseram-me que a velhice maltrata. Pode, sim. O Mestre Rubem Alves, autor de livros primorosos, escreveu: "Os olhos dos velhos vão se enchendo de ausências". Nada doi mais, no velho, do que a ausência, temporária ou definitiva, de quem ele gosta, de quem ele ama.
Maltrata os que não aceitam a realidade e pensam que serão bonitinhos a vida toda. Um dia, se olham nos espelhos e vêm que a história é outra. Caem na real, e não se conformam com o que o tempo lhe escreveu no rosto, principalmente. Sei de gente que brigou com a velhice até morrer.
4. Amigos, os anos idos e vividos tiram, e às vezes de forma ingrata e arrasadora, uma lasquinha de todos nós, a caminho do ocaso. Surge o "pé-de-galinha", entre os olhos e as orelhas, tortura principalmente das madames, que, quando podem, logo recorrem ao cirurgião plástico, ainda que os bisturis lhes roubem o rosto que Deus lhes deu.
5. Há idosos que sofrem com medo da morte e não venham me dizer que são poucos. Eu diria melhor: medo de morrer. Os velhos com os quais converso, dizem-me que vivem a pensar no seu encontro com a dona dos cemitérios. Confessam, que abrem os jornais e a primeira coluna que visitam é o obituário. O aniversariante, antes de procurar saber das bobagens que os vivos andam fazendo, dá uma passadinha nos obituários. De repente aparece um nome querido e isso maltrata.
6. Mas deixemos a morte pra lá. Neste 5 de março, com muita chuva em Salvador, estou homenageando minhas queridas rugas. Batendo palmas para todas, profundas ou rasas, que enfeitam meu rosto já bem cansado...
Pergunto: o leitor viu, por acaso, alguém celebrando suas rugas? O normal é escondê-las, né mesmo? E dirão alguns: "Este cronista está gagá, caduco, lesado! Aplaudindo rugas?". Nada disso. Tenho, apenas, coragem de homenageá-las, testemunhas vivas que são de minha modesta história... O saudoso escritor Artur da Távola disse, em um dos seus bonitos livros de crônicas, o seguinte: "Rosto sem rugas é vida sem biografia".
7. Não menosprezemos nossas rugas. Muitas vezes elas contam como fomos no nosso dia a dia. São testemunhas de nossos sorrisos e também de nossas lágrimas. Terminaria, dizendo que morremos um pouco a cada aniversário. E como é verdade, peço para fechar a minha crônica do dia 5, recitando esta quadrinha do nosso Mario Quintana:
"Quando disserem os médicos
Que nada há a fazer,
Eu quero que tu cantes
Uma canção de BEM-MORRER...
Agradecendo os parabéns que já recebi e os que ainda devo receber, digo: Té logo, pessoal! Volto em 2023 homenageando estes meus cabelos brancos...