"Viagem astral"
Naquela tarde, maio de 1976, não foi diferente. Como de costume, quando chegava em casa, seguia um ritual. Depois de uma boa ducha, fechava as cortinas do quarto e, naquela quietude profunda, ia pro meu ritual, que era tentar uma viagem astral. O clímax chegava quando começava a flutuar e, vendo meu corpo inerte sobre a cama, numa leveza espetaculosa disparava mundo afora, ávida por sentir o espaço sideral. Aquele dia foi inesquecível! Nunca mais sairá da memória. Como uma mariquita-de-perna-clara, atravessei o Atlântico sem qualquer dificuldade e, num voo tal qual o do Grifo-de-Rüppell, baixei altitude quando já sobrevoava o mar báltico, entre Malmo, na Suécia e Copenhagen, Dinamarca. Um deslumbre. Parecia que era ali o nascimento dos arco-íris que tanto nos enfeitiçam. Lindas cores, pessoas felizes pelas ruas ... A Arquitetura de uma beleza ímpar, fascinante. Um Mundo Encantado, verdadruros caminhos dos céus. Tão maravilhada estava quando, a contragosto, senti que precisava retornar. O tempo encurtou repentinamente a volta e quando dei por mim, estava junto ao corpo. Não sei se a dificuldade que sentia de adentrar o corpo era por estar de bruços ou, talvez consumida pela volta abrupta daquele passeio fantástico. O fato era que estava difícil a ligação ao perispirito para internar braços e pernas àquela estrutura interna do corpo humano, que tornariam possível o movimento esquelético. Agora, com as articulações encaixadas devidamente, por um longo tempo ainda e com os olhos fechados, os pensamentos com as imagens deleitosas, insistiam em continuar com aquele sentimento aprazível de um voo triunfal, querendo bis. Dois anos mais tarde, 1978, fiz a mesma viagem, dessa vez, fisicamente, de avião, quando pude reconhecer cada parte do lugar em que estive naquela viagem incorpórea.
Jandiel
Jandira Leite Titonel