A relação interpessoal e a culpa do outro

 

Ando cansado, há muito tempo, de ver gente que só pensa no interesse próprio bater no peito e dizer que defende o interesse público, enganando com sua empáfia a quem lhe assiste os miseráveis trejeitos e lhe ouve o vergonhoso blá-blá-blá. Ih, como tenho visto isso no dia a dia dos meus muitos anos de serviço público! Causa asco, dá nojo a simples lembrança de tais indivíduos. Quanto maior a desonestidade, mais o indivíduo se faz de probo e de defensor impoluto do interesse público.

 

Cargos eletivos dos três níveis da República, embora não exclusivamente eles, são quase sempre infestados de maus elementos, hipócritas de todos os matizes, que fazem de tudo para que pareçam o contrário. Esse tipo de gente se dá bem e segue por tempo indefinido, permanecendo, anos a fio, no desserviço público. E por que isso? Porque é sustentado pelos que pensam igualmente e por isso lhe garantem conscientemente eleições e mais eleições, quando não pelos que votam enganadamente e depois, embora tarde, se arrependem.

 

É sempre assim. Não há perspectiva de mudança. As pessoas agem erradamente, mas não tergiversam em atribuir aos outros a culpa disto ou daquilo, deste ou daquele problema. A culpa é do outro. Ninguém se sente responsável por tudo de ruim a que deu causa e, exatamente por isso, tudo vai sempre de mal a pior. Fui menino e as coisas eram assim. Cresci e envelheço, mas as coisas não mudaram, tudo continua como antes. O problema é o semelhante, um tal de próximo, ele ou ela. O indivíduo em si, um tal de eu, jamais tem culpa de alguma coisa.

 

Nada que ver e tudo que ver com o momento político por que passa o Brasil como um todo. Cada um tire as conclusões e assuma, se for o caso, a sua cota de responsabilidade, sem atirar pedras em terceiros. Chega de transferir para o outro a responsabilidade que, sabidamente, não é dele. Muitos que se dizem justos e consideram-se irrepreensíveis são na verdade culpados de quase tudo de ruim que os rodeia e, se hoje fossem desafiados por Cristo, como desafiou ele homens e mulheres hipócritas de seu tempo, jamais teriam coragem de atirar a primeira pedra, como nem sequer um daqueles a teve.

 

O ser humano é naturalmente gregário e ninguém consegue viver sozinho, porque a interdependência é inata. Os outros existem para que identifiquemos a nossa individualidade e assumamos nossa a responsabilidade pelo que fazemos ou deixamos de fazer, não para o disfarce e ocultamento consciente ou inconsciente de nossas boas ou más ações.

 

É, com efeito, nesse sentido o todo significativo ensinamento do padre Zezinho, insculpido na crônica “O outro que se chama eu”, quando diz: “Nunca descobrirei por mim mesmo a pessoa que sou, mas só eu poderei assumir essa realidade. O outro pode me ajudar a achar a fonte e o rio, mas beber ou não beber, nadar ou não nadar, depende de mim.” Exato! Profundo.

 

Estaria completo se ele parasse aí, mas ele não para e diz mais, escrevendo no derradeiro parágrafo, dentre outras coisas, o seguinte: “Do meu ponto de vista, no mundo há mais de sete bilhões de outros e apenas um eu: o meu.” E arremata enfaticamente: “Quem tem de se adaptar ao mundo é o meu eu. Os outros sete bilhões contam muito mais. Saber disso é admitir nossa pequenez e ao mesmo tempo dar grandeza a nosso eu. Só é grande quem admite a grandeza dos outros.”