CHUTANDO LATAS E PEDRAS
Sem muita noção das regras do bom viver, dado que me faltava a maturidade necessária nesse sentido, quando menino, lá pelos meus treze anos, eu andava pelas calçadas chutando latas, caixas e pedras. Ou o que estivesse à frente Como se desabafasse a falta de sonhos ou jogasse raivas e frustrações próprias da idade na inutilidade das coisas. Cada objeto escamoteado através do chute certeiro talvez fosse um devaneio desfeito, certamente também as dificuldades por que passava, o medo do futuro e suas incertezas, o sorriso bonito que as garotas do meu interesse jamais me lançavam. Tantos eram os motivos! Prestes a adentrar a adolescência, enfrentando mudanças e transformações, sobre os ombros as utopias insistentes e os temores naturais do período, a barra pesava sobre mim, as responsabilidades aguardavam meus passos, um mundo novo se me abria os braços. E eu não estava pronto para esse inesperado abraço.
As coisas por mim chutadas rodopiavam no chão, tiravam fino nos carros e chegavam perto de atingir as pessoas à minha frente, embora não fosse minha intenção causar dano a ninguém. O problema estava em mim, nos meus achaques, nos receios que eu tinha das portas a serem abertas a partir daquele instante da jornada de minha vida. Evidente, eu não fazia a menor ideia de ser realmente essa a questão, mas a inquietação na minha alma era o alerta das repentinas rotas surgidas na caminhada da normal evolução acontecendo em todo o meu ser. Por óbvio, estar amedrontado ante os dias seguintes, o mistério do desconhecido e a nebulosidade de nada saber como agir, ser e decidir, tudo me impactava. Não me prepararam para ser adolescente, nada me ensinaram a respeito, nenhuma orientação me foi passada sobre puberdade, diferenças repentinas, namoro, sexo, enfim, o prolixo dos cruzamentos naturais que acontecem conosco e com os quais nos deparamos no correr dos anos.
Pouco tempo depois de tantas pedras chutadas, um livro escrito pelo padre João Mohana foi decisivo em minha vida no contornar os percalços inerentes ao salto da infância para a adolescência. Através da leitura desse livro, avidamente lido, a propósito, os quartos escuros da ignorância receberam alguma luz e diversas dúvidas foram esclarecidas. Sendo a vida cheia de coincidências, das quais não se foge, após vários anos decorridos, eu já prestes a casar com a minha escolhida, participei de um curso para noivos justamente ministrado pelo referido padre João Mohana. Fiquei deveras feliz por reencontra-lo, agora não mais por intermédio de seu livro, senão ao vivo, de corpo presente, desta feita me trazendo outros importantes ensinamentos não registrados naquela sua obra de tanto valor para mim.
Hoje eu chuto emoções, tristezas, angústias, momentos desconexos, frustrações, tudo de ruim, essa constante nos adultos que venceram as primeiras pedras infantis e adolescentes, latas e caixas da vida pelas calçadas do tempo e pensavam que nunca mais as veriam diante de si. Sou exemplo disso. Eu não fazia ideia de que estaria mais vezes frente a frente com as sombras diversas daquelas, achava que nunca mais tropeçaria nessas coisas de outrora, que não brotariam outras. Ledo engano! Tal pensamento desabou. Apenas as pedras não eram mais as da minha meninice, porém continuam existindo. Obstáculos insistem em fazer parte de nossa jornada, mesmo não sendo objetos que possam ser chutados, mas sentimentos, pesadelos, enganos etc. Nada muda isso.