PARNASIANOS
VÊNUS DE MILLUS E DOIS POETAS
Nelson Marzullo Tangerini
No Ensino Médio, quando se fala do Parnasianismo, três poetas são imediatamente lembrados: Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Raimundo Correia. Pouco ou nada se fala da paulista Francisca Júlia, uma talentosa poeta que oscilou entre o Parnasianismo e o Simbolismo. Seu nome não consta de alguns livros didáticos. Como o nome do pernambucano Bastos Tigre.
Nesta crônica, antes de apresentá-la ao público, republicaremos um soneto do fluminense Alberto de Oliveira, mais famoso - por ser homem? -, uma vez que os dois poetas trataram do mesmo assunto: a Vênus de Millus, trabalhada, com esmero, em puro mármore.
O Parnasianismo, como se sabe, além de se opor ao sentimentalismo piegas dos românticos, buscava inspiração na mitologia greco-latina. E seus poetas, em sonetos perfeitos, bem trabalhados, metrificados e rimados com maestria, transitavam entre decassílabos e alexandrinos. Até serem destruídos como estátuas de fino mármore Carrara em terremoto devastador, em 1922, sob o olhar indefeso de Zeus, destronado pelos incendiários modernistas, que reivindicavam brasilidade em todas as modalidades da arte.
Vamos, enfim, ao soneto decassílabo do farmacêutico Alberto de Oliveira.
“PLENA NUDEZ
Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.
Quero em pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: da carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas...
Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
Da transparente túnica através:
Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus... toda nua, da cabeça aos pés!”
Sensível poeta, a professora, jornalista e pianista Francisca Júlia, também deixou seu nome registrado na história do Parnasianismo e da literatura brasileira.
Aqui, trazemos um de seus sonetos, alexandrino, nitidamente parnasiano, e tão belo quanto o de Alberto de Oliveira:
“VÊNUS
Branca e hercúlea, de pé, num bloco de Carrara,
Que lhe serve de trono, a formosa escultura,
Vênus, túmido o colo, em severa postura,
Com seus olhos de pedra o mundo inteiro encara.
Um sopro, um quê de vida o gênio lhe insuflara;
E impassível, de pé, mostra em toda a brancura,
Desde as linhas da face ao talhe da cintura,
A majestade real de uma beleza rara.
Vendo-a nessa postura e nesse nobre entono
De Minerva marcial que pelo gládio arranca,
Julgo vê-la descer lentamente do trono,
E, na mesma atitude a que a insolência a obriga,
Postar-se à minha frente, impassível e branca,
Na régia perfeição da formosura antiga”.
Francisca Júlia César da Silva Munster nasceu em Eldorado, SP, a 31 de agosto de 1871; e faleceu a 1 de novembro de 1920, aos 49 anos.
Colaborou no Correio Paulistano e no Diário Popular, que lhe abriu as portas para trabalhar em O Álbum, de Artur Azevedo, e A Semana, de Valentim Magalhães, no Rio de Janeiro.
São suas obras são: Mármores (1895), Livro da infância (1899), Esfinges (1903), Alma infantil — em coautoria com Júlio César da Silva (1912). Nota-se, portanto, pelos títulos de dois livros, Mármores e Esfinges, a sua afinidade com o Parnasianismo, com o qual mais se identificou.
Antônio Mariano Alberto de Oliveira, farmacêutico e poeta, nasceu em Saquarema, RJ; e faleceu em Niterói, RJ, a 19 de janeiro de 1937.
Em futura crônica, falarei de Auta de Souza e Gilka Machado, sonetistas, que, com delicadas mãos e sentimentos nobres, iluminaram, com leveza, beleza e talentos raros, a literatura brasileira.