Adelaide

Adelaide me mandava cartas. Bem, boa parte delas eram sobre como sua vida era enfadonha. A solteirice a abatera e era sua rotina, melindrosamente descrita em suas cartas. Adelaide não tinha outros amigos, exceto eu que, haja muita sorte, morava distante o suficiente para não aturar tanta lamúria. Essa solteirice, que tanto era aparente nela, não me preocupava, afinal estava no meu auge de corpo e mente. O trabalho ia bem, as finanças iam bem, não precisava me preocupar.

Adelaide falava tanto do sonho do matrimônio em suas cartas que em geral eu só lia uma parte da carta e logo a deixava de lado. Veja! Uma carta todo mês para reclamar o quanto sonhava com o casamento? Isso já era o cúmulo! Não respondia suas cartas pois, não queria fazê-la triste com minha história de vida; não queria que minha atitude a deixasse ainda mais temerária com o sonho do casamento, pois eu já não tinha mais esse sonho.

Pois joguei a carta de lado, tinha tanta coisa a fazer em casa: era verão e o calor, como sempre, insuportável. Tinha roupa no varal pra secar e logo muita peça pra passar. Mas estranhei aquela carta: era maior que o de costume. Tinha avolumado em relação as anteriores. Aquela carta me instigava e logo estava com ela nas minhas mãos de novo.

Nessa, Adelaide contava agora, aqui, nessa carta, que estava casada. Fiquei sem saber o que dizer; o noivo, era moço, advogado, havia se apaixonado por uma moça um pouco (como ela disse) mais “experiente em anos” que ele; que foi de súbito e em coisa de semanas as bodas foram dadas. Não sabia o que dizer, só consegui levar a mão a boca, de tanta surpresa. Mandara dizer na carta que eu deveria visitá-la, na nova casa do casal e que haveria um quarto de hóspedes para mim e quem viesse comigo e claro, não sabia o que fazer com tal convite.

Sequei as mãos no avental, peguei papel e caneta e fui escrever. O conteúdo da carta era para Adelaide. Pois veja, agora, quem escreveria seria eu. O assunto? A minha solteirice...

Dom Torres
Enviado por Dom Torres em 03/03/2022
Reeditado em 25/08/2024
Código do texto: T7464503
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