ATÉ AQUI NOS AJUDOU O SENHOR !

ATÉ AQUI NOS AJUDOU O SENHOR !

Previno logo ao leitor desavisado que não se trata de um texto sobre religião, mas referente ao fato de que o Português permite "interpretações" diferentes para a mesma frase. Esta é só uma delas ! Segundo o artigo que tem por título essa oração (?!) -- o termo neste caso indica frase e não um salmo qualquer -- o profeta Samuel, vendo o povo de Israel desanimado e sem fé após várias derrotas para os filisteus, levantou uma pedra, um MARCO temporal... "como um memorial, que chama de "Ebenézer" -- a pedra da ajuda", etc. In revista TODA, pag 11, de 9/jan. 2022, por Drúcela Louzada).

Imagino um professor de Literatura apresentando os alunos esta expressão um pouquinho modificada:

-- "Até AQUI o Senhor nos ajudou..."

Para a maioria, o sentido é um só, "passam batidos" pela "outra informação" contida no mesmo "período" que, nos antigos tempos de ESCOLA de Brazil e pharmácia, era uma "das partes" da tal ORAÇÃO. Assim, no dito orgulhos do imperador Júlio César... "Vim, vi, venci"!, temos 3 períodos de uma oração, ou frase, com quer a população. Perguntaria o mestre;

-- "Levantem a mão os que concordam que as 2 frases têm igual sentido, significam a mesma coisa" !

Quase toda a sala levanta o braço, não vê diferenças... porém, a outra visão está oculta, exige análise da frase, pois está subentendida. Curioso, o professor interroga os 4 ou 5 que teriam visto "diferença" no texto. Viram o óbvio, as mudanças propositais, a "inversão" de trecho, o destaque para AQUI e a troca do ponto de exclamação pelos "3 pontinhos". Já nem lembro mais, 57 anos depois, que nome recebem os 3 "pontinhos".

-- "Podem sentar vocês 4... que o rapazinho aí, de cabelos vermelhos, me diga o que ninguém viu na frase" !

O jovem acertou ! Quando se fala fica mais fácil (e mais claro) entender qualquer mensagem, mas ESCREVENDO, sempre há margem para "interpretações", disso se valem políticos e advogados, as famosas e vergonhosas "brechas" da Lei.

-- "Disse as derradeiras palavras, suspirou, morreu" !

Nessa frase a exclamação ENCERRA um ciclo, não há mais o que dizer sobre o fato. Assim é com a declaração do profeta:

-- "Mas, do que têm dúvidas vocês todos ? Quando Deus falhou, os abandonou ? ATÉ AQUI NOS AJUDOU O SENHOR" !

Com a pedra marcava OS SÉCULOS de ajuda de Jeovah ! Contudo, na escrita, surge um novo significado que, falado, talvez nem fosse percebido. Destaquei o "aqui", mas nem seria necessário. No tempo de Gutemberg -- e até 1950 e poucos -- gráficas e tipografias caseiras ainda usavam blocos de chumbo com cada letra, sendo que as maiúsculas exigiam mais espaço, caixas maiores para serem guardados após o uso, as "caixas-altas", a famosa "letra de forma", por vezes apelidada de "destaque".

-- "ATÉ AQUI o Senhor nos ajudou... vocês perderam a fé, blasfemaram, descreram das promessas, alguns adoraram ídolos porém, mesmo assim, até AQUI (nesse vale de lágrimas) nos ajudou o Senhor" !

As RETICÊNCIAS são vistas, por quem lê, como mero capricho do escritor, "enfeite" (?!) literário. Pois enganam-se... fazem suspense, sim, mas EXIGEM na frase uma conclusão, a explicação definitiva. Não é o caso de seu uso na Poesia. Eu abuso dos "3 pontinhos" visando porém a transposição de meu conto para o Cinema ou Teatro, onde tal pausa terá que ser respeitada.

-- "Disse as derradeiras palavras, suspirou, morreu..."

Ainda que quem isso expressa nada mais diga, ao leitor fica a impressão (até certeza) de que havia muito para falar. Curiosamente, quem ensina Literatura cria tão-somente leitores, tal análise "psicológica" de cada texto não é repassado ao alunado, embora boa parte dos professores possa praticá-la.

Que o Senhor, que nos ajudou -- até aqui -- na Vida de quase todos, mortais comuns, corretos e endividados, possa ouvir o lamento desesperado de bandidos arrependidos em suas celas imundas e superlotadas, de bêbados e drogados em esquinas escuras, de mulheres sofridas em noites chuvosas e lhes lance sua Divina Luz, consolo dos aflitos e alimento de cada alma.

-- Até AQUI o Senhor nos ajudou...", dirão todos a uma só voz !

"NATO" AZEVEDO (em 21/fev. 2022, 18hs)

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ADENDO AO TEXTO (em 22/fev. 2022 17hs) - a maioria entende que, findo um escrito, nada mais resta ao Autor. Antes fosse assim... no início cremos no texto perfeito e só muitos anos depois veremos quantas falhas, erros de grafia, de pensamento incompleto, de equívocos e "rematada tolice" (para usar expressão secular) SE ESCONDEM por detrás de nossas belas frases. Que fiquem cientes todos que o trabalho de cada Autor COMEÇA justamente quando êle assenta no papel -- no meu caso, que detesto máquinas -- a derradeira frase de seu conto, poema, crônica.

As deficiências "camuflam-se" entre as linhas escritas e até no singelo CORDEL, de estrutura tão simples, as falhas abundam. REVISAR é, na verdade, a real função de qualquer escritor. Veja-se como a "mexida" nos termos do título desta crônica MUDA quase completamente o sentido inicial da frase:

-- "O senhor nos ajudou... até aqui" !, é dita para um amigo, com gratidão.

-- "Aqui, até o senhor (?!) nos ajudou" !, soa mais como CRÍTICA do que como agradecimento. E poderia indicar um completo desconhecido.

-- "O senhor aqui até nos ajudou" !, justificando a presença de alguém solícito, prestativo.

São as riquezas (e armadilhas) de um idioma dos mais complicados. Quem escolhe a ESCRITA -- como lazer ou profissão -- terá um longo Caminho a percorrer. (NATOAZEVEDO)