O jantar de Brenda
O jantar de Brenda tinha sido meticulosamente preparado para ser servido naquela noite de lua cheia, de acordo com os rituais mais conservadores, expressivos e enigmáticos.
Nessa noite, Brenda estava esfuziante no seu traje de gala, rigorosamente ajustado em torno do seu corpo arredondado e ligeiramente volumoso. Parecia deslizar como uma acrobata por aqueles enormes fios de seda que havia tecido na véspera com imenso zelo e perícia. Estava absolutamente segura do seu papel de rainha e construtora daquela pequena teia que balançava quase invisível no canto da janela.
Conheci Brenda por acaso, numa noite cálida de verão e de lua cheia, enquanto observava o burburinho em volta do pequeno coreto da praça. A música agradável e melodiosa ouvia-se nitidamente e naquele momento, Brenda construía a sua teia com alegria e entusiasmo, ao som daqueles acordes nostálgicos e revivalistas.
Várias vezes pude observar que Brenda deslocava-se em movimentos precisos, rápidos e segmentados, enquanto parecia esperar por algo que tardava em chegar. Uma postura que fazia crer que algo não corria tão bem e que o culminar daquele desfecho anunciado e breve não dependia só dela. Na primeira vez que a vi correr rapidamente para um canto da janela, notei que ela assinalava a minha presença todas as vezes que me aproximava dela e que, de algum modo, preparava-se sempre para agir; fosse através de uma corrida rápida e objetiva, ou através do deslizar sorrateiro nos fios de seda. Experimentei, um dia, tocar com o cabo de uma escova nos fios brancos que estavam à sua volta e, subitamente, Brenda apareceu em um segundo como se fosse atacar-me. Interpretei aquele gesto como uma necessidade sua real, visível e premente. Algo estava relacionado com a minha presença e parecia antever uma espécie de tentativa de comunicação entre mim e ela, pensei. Captei assim, uma provável mensagem daquele minúsculo ser vivo que aparentemente se comunicava comigo através de gestos expressivos e contundentes, e me deixava apreensivo todas as vezes que nos encontrávamos. Com o passar do tempo, comecei a reparar que a teia de Brenda permanecia vazia e aumentara bastante em tamanho. Cobria já uma boa parte da superfície daquela pequena janela que comunicava com a praça onde eram servidas pequenas refeições de fast-food ao som de muita música.
A questão de Brenda, embora tivesse à partida uma dimensão que não constituía nenhum tipo de preocupação ou ameaça, começou a manifestar em mim uma certa atenção, inquietação e interesse. Talvez motivado, a princípio, pela repetição daquele inusitado encontro e por todos os episódios ali vivenciados, comecei a pensar que, apesar das nossas diferenças e papéis, éramos dois seres que procurávamos acima de tudo preservar a vida num dado momento. O elo e denominador comum nessa cadeia, apontava para duas criaturas que pareciam naquele momento estar sós e que procuravam a todo o custo manter a sua sobrevivência, para além dos papéis que desempenhavam em diferentes escalas. Comecei a pensar como poderia ajudar Brenda a realizar os seus propósitos mais recentes e imediatos, já que os nossos caminhos se tinham irremediavelmente cruzado. Era visível que, agora, a minha amiguinha estava mais elegante do que no começo e que a sua enorme teia continuava branca e vazia.
Comecei então a perceber que a situação de Brenda era desesperadora e que era visível o seu estado de ansiedade todas as vezes que a visitava. Eu, após ter degustado o meu aprazível e generoso jantar e Brenda, acometida por um estresse desgraçado, corria e percorria sozinha a sua já longa teia. Decidi assim, elaborar um plano para testar aquela situação. Estava claro para mim que só através dele era possível tentar remediar aquele problema e salvar, talvez, aquela vida que se debatia com todas as suas forças.
E foi assim que decidi preparar aquela surpresa para Brenda. De acordo com o Livro Mágico dos Presságios da Natureza que consultei naquela noite, a minha atitude deveria ser cuidadosamente preparada com toda a intenção e apresentada numa noite de lua cheia, para que o seu poder e amplitude se estendessem ao reino de todos os animais, em sinal de respeito e veneração. Acreditava-se que essa boa intenção pudesse desencadear uma poderosa energia de cura e salvação para aquele ser que se debatia entre a vida e a morte.
Naquela noite, eu levei comigo algo que se destinava a Brenda e que, de acordo com o bom presságio, desencadearia um processo irreversível, vital e salvador. Quando ela me viu, correu como de costume para evidenciar, de algum modo, a sua presença. Esperei que ela se acalmasse e, no momento exato, depositei delicadamente um belo exemplar de inseto no centro da sua teia. Retirei-me estrategicamente e deixei que Brenda agisse de acordo com o que previ...
Na manhã seguinte, acordei muito leve e com uma sensação de alegria radiosa e transbordante. Apressei-me em verificar o que tinha acontecido com Brenda. Ao entrar no cômodo, percebi que o sol invadira aquele espaço de uma forma intensa, límpida e inebriante. A teia estava lá, incólume e vazia. Apenas uma carapaça seca e oca balançava num dos fios da rede. Não havia vestígios de Brenda. Senti uma alegria imensa e intensa quando compreendi o que tinha acontecido.
Brenda abdicara da sua própria teia e, decerto, tinha partido para um outro lugar mais interessante e promissor. Talvez um lugar mais estratégico, em que pudesse construir outras teias mais robustas e poderosas. Um lugar onde Brenda finalmente pudesse viver com muita alegria, paz, beleza e dignidade.