Mundo Sem Professores
São Paulo, 4 de março de 2.042
Hoje no Centro de Estudos Independentes (CEI) a costumeira calmaria das salas de estudos pareceu fundir-se à brisa vespertina. Na troca de informações com outros colegas de minha turma de estudos, ficamos sabendo do progresso de uma jovem que se interessou pelo papel dos professores há cerca de duas décadas, quando o sistema já dava sinais de que estava implodindo aos poucos.
Eu cheguei a ter professores – mas foi numa fase muito breve de minha vida, afinal, quando eu contava com meus 10 de idade, já dava conta de resolver problemas matemáticos complexos e de dissertar, de modo argumentativo, sobre quase qualquer tema, graças à preparação de meus pais para o que parecia ser uma promessa de efetiva mudança na educação de nosso país: a Aprendizagem Auto-Regulada (no CEI todos nós somos nossos próprios professores e avaliadores).
Meus pais (me orgulho de citá-los) tiveram aulas na faculdade com um professor com jeito de louco (à época seus alunos o chamavam de "Figura", uma termo que procurava definir pessoas além do comumm; muito acima da média; pessoas com estilo sui generis; pessoas que não têm comparação com ninguém, pessoas únicas e que, de um modo ou de outro, chamavam a atenção por algum detalhe de sua personalidade marcante). Chamavam-no de "WV". Ele ministrava duas disciplinas novas: "Aprendizagem Auto-Regulada I: Tópicos" e "Técnicas de Redação Acadêmico-Científica". A "Figura" tinha uma inteligência acima da média; não era muito de se socializar (raríssimas vezes se encontrava no meio de alguns alunos e permanecia por mais de 10 minutos numa conversa que poderia variar de apreciações críticas sobre o Paleolítico até os tópicos mais recentes sobre Física de Partículas, passando, é claro, por um pouco de cultura de massa (filmes cult, mudança do sabor e da consistência da Coca-Cola ao longo de cinco décadas etc.). WV criou um processo de aprendizagem (centrado no próprio aluno) a que ele chamava de Trabalho Auto-orientado (ou de Trabalho de Auto-orientação), que ele abreviava pela sigla TAO (segundo ele, Tao [lê-se "Dao" em Chinês] era "Caminho" em Chinês. Ele conseguia fazer algumas conexões entre as suas ideias e as ideias de outras pessoas, outras culturas, outros conceitos. Se era tido como um "louco", eu tenho muitos motivos para pensar assim, era por ser muito mal compreendido pelo grande público. Sua inteligência era incomum, além de ser um sujeito bastante criativo.)
Alguns de meus colegas estranham a palavra "professor". Eles não conseguem compreender direito o que ela significa. Então hoje eu propus dar uma aula sobre esse assunto. Será às 19h10. Mas, como minhas pesquisas sobre isso se pautam sobre muitos dados levantados, precisarei de cerca de cinco aulas para explanar o conteúdo de cabo a rabo.