Disjuntor ortográfico
Era só para ser uma frase simples e direta, de fácil compreensão geral, mas tornou-se inelegível, digo, ilegível. Culpa do corretor ortográfico, que criptografou a palavra mais importante da mensagem de aniversário que enviei à minha amiga desconhecida, que mora lá em São Bento do Una, Pernambuco S/A.
O corretor ortográfico dificulta ainda mais a difícil tarefa de escrever, e principalmente a de pensar. Hoje apenas os neandertais transcrevem inicialmente sentenças e períodos para o papel; quase todos nós somos adeptos dependentes das ferramentais digitais, como computador e celular. É nessas ferramentas tecnológicas que primeiro lançamos nossa escrita, ofício que aparentemente ficou mais fácil e prático com o surgimento do corretor ortográfico. Aparentemente, pois, embora ironicamente tenha o objetivo de corrigir "erros ortográficos", é ele o primeiro incorrigível.
Nunca vi ninguém, pessoa física ou jurídica, deslizar tanto na escrita quanto o corretor ortográfico. É impressionante, no sentido negativo do termo. Na era do Pix, do dólar na casa dos R$ 5,00, da rainha Elizabeth próximo aos duzentos anos, da minha vizinha falando "Hello, boy!" em cumprimento a seu tio de oitenta e nove anos e treze filhos, o corretor ortográfico persiste em utilizar linguagem analógica.
Impressionante, no sentido negativo do termo. Porque a gente se esforça para formular uma ideia, uma sentença que tenha sentido para além das quatro linhas da tela do computador ou da do celular, e vem o disjuntor ortográfico e estraga tudo. É um chato de carteirinha. Mais chato que a inflação, que o desemprego, que a guerra entre Rússia e Ucrânia. Um chato que vem me dizer que a palavra "putz" não existe. Existe a palavra "puta", mas "putz", não. "Putz" não existe, é invenção dos comunistas.
Putz como isso me deixa, para usar o vernáculo do meu corretor ortográfico, me deixa enervado, muito puto.
Talvez meu corretor ortográfico devesse ter umas aulas, não de português oficial, que de português oficial ele manja bem, mas de internetês instrumental, quem sabe assim, abdicando de parte de seu conhecimento jurídico e ontológico, não mais confundisse a palavra "saudade" com "saúde", de tal modo me deixando menos doente de chateação e minha amiga pernambucana S/A, menos magoada com minha mensagem inelegível.